O PROBLEMA DO ORÇAMENTO PÚBLICO

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Nivaldo Cordeiro*

No artigo anterior  comentei que o primeiro orçamento apresentado pelo presidente Barack Obama para o próximo ano fiscal é uma insanidade, em face do tamanho do déficit proposto, mas também em face da qualidade dos gastos perseguidos. Os bailouts de empresas tecnicamente falidas, como bancos, a AIG e a General Motors Corporation, bem como a compra dos ditos ativos imobiliários tóxicos é uma afronta às leis naturais do mercado. Esse orçamento é um sinal dos novos tempos em direção ao Estado Total.

Essa proposta orçamentária impõe uma reflexão sobre o papel do orçamento público. Na origem a peça orçamentária foi um símbolo da luta libertária contra a tirania do Estado Absolutista. A idéia de que os impostos devem ser votados antes do exercício fiscal revolucionou a relação entre os poderes e de fato acabou com o arbítrio dos Estados. Foi um grande avanço para a civilização. O orçamento tornou-se a trava ao avanço do Estado sobre a renda dos particulares e melhorou a representação política.

Ocorre que no século XX, já no bojo da revolução gramsciana que alcançou todo o globo, vimos o poder de Estado se agigantar e o orçamento publico mudou de aspecto. Ele não apenas deixou de ser a trava, mas tornou-se o dínamo a sugar os recursos privados.  Mesmo antes das idéias de Gramsci serem generalizadas tivemos o movimento em torno do keynesianismo e do progressismo, nos EUA, que levaram ao crescimento secular da carga tributária e das despesas. Na prática o que tivemos foi uma profunda mudança nas crenças coletivas a respeito do Estado. Este deixou de ser temido enquanto ameaça potencial que é para ser adorado como salvador.

Os movimentos que defendem o agigantamento do Estado são todos de fundo religioso, sucedâneos das religiões tradicionais, e não meros fatos políticos. A democracia de massa permitiu que gente moralmente inferior viesse a ocupar o lugar os estadistas. Estado forte com dirigentes despreparados e moralmente inferiores é a fórmula do desastre.

O que vemos desde o século XX  é movimento da classe política e da burocracia estatal para esparramarem seu poder, sempre policialesco e fiscalista, vendendo ao povo a falsa solução mágica de que o Estado teria o poder de eliminar os riscos existenciais. Toda a literatura econômica, inclusive aquela que poderia ser chamada de liberal, está baseada na crença de que há um poder redentor nas ações do Estado capaz de gerenciar a vida ela mesma e aperfeiçoar a humanidade. As lições dos liberais clássicos foram esquecidas, especialmente aquela de que o Estado é o grande perigo, a besta maior, o elemento que precisa ser politicamente neutralizado.

Interessante é que o conflito da Segunda Guerra Mundial foi contra uma forma de Estado Absolutista, o nazismo, mas do lado vencedor tínhamos os comunistas russos e os progressistas dos EUA. Este país, tido como o paradigma do liberalismo, caminhou a passos largos para montar uma forma de Estado Total ainda mais perigoso que o comunismo, fenômeno que Peter Drucker chamou de “socialismo de fundo de pensão”. Estamos muito próximos disso. Esse Estado Total tende a controlar todas as dimensões da  vida humana e só de detém diante da crise que ele próprio constrói, de dentro para fora.  Ao se sobrepor à espontaneidade do mercado, ao sufocar a economia com a supertributação, ao estrangular a liberdade com o excesso de regulamentos e ao transformar a vida prática em uma ação perigosa, com sérios riscos jurídicos, não se poderia esperar outra coisa que não a eclosão de uma catástrofe, econômica assim como política. Não é mero acaso que a população encarcerada cresce exponencialmente nos EUA.

Essa crise tem caráter catastrófico precisamente porque o Estado foi longe demais, desvinculou-se de suas funções essenciais e passou a servir a verdadeiras gangues que estão controlando as agremiações políticas. Uma luta de resistência precisa ser levada avante. Existir é resistir. O irracionalismo de se colocar o Estado a serviço de grupos particulares, sob qualquer pretexto, é o fator determinante para a crise. Sem o consenso de que precisa viger o Estado Mínimo essas minorias gananciosas avançam. Ela, a crise, é isso: a expressão da manifestação mais peremptória da lei da escassez. Não há como a humanidade fugir dela. Os EUA vão enfrentar essa dura realidade nos próximos anos. Ela virá como empobrecimento, como liquidação das gangues que controlam o poder (com a respectiva crise política) e o sério risco de depreciação do dólar, prejudicando as trocas internacionais.

A crise é ainda mais dramática pelas repercussões internacionais, vez que os EUA são não apenas os maiores importadores, como também são os emissores da moeda que intermedia as trocas mundiais. Uma depreciação descontrolada do dólar equivale à destruição, ainda que temporária, do mercado internacional. Uma bomba atômica não seria mais letal que isso, pois a paralisia do comercio internacional equivaleria a um empobrecimento instantâneo, em escala planetária.

O afã dos adoradores do deus-Estado de torná-lo o salvador do mundo, tão bem representado pela figura de Obama, poderá jogar a humanidade em uma situação desconhecida e de difícil superação. Discutir a natureza do orçamento, sua função e sua dimensão política tornou-se uma atualidade de larga importância. Entendo que não é apenas do perigo à liberdade que estamos falando, mas à vida civilizada como a conhecemos. Uma regressão econômica dessa envergadura jogaria o mundo em uma situação de caos.

* Economista, articulista [ www.nivaldocordeiro.org ]

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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