A América Latina pede socorro
Ao mesmo tempo em que a oposição brasileira intensificou o discurso e se articulou, com ares de oficialidade, pelo impeachment da presidente Dilma, lançando uma petição virtual que já tem quase um milhão de assinaturas, um vizinho governado por parceiros do PT deu novos sinais do quanto é urgente a queda do aliado tupiniquim. Com o silêncio covarde e cúmplice de Dilma Rousseff, o tirano da Venezuela, Nicolas Maduro, logrou êxito em ver seu opositor mais inflamado, Leopoldo López, condenado a 13 anos e 9 meses de prisão.
As potências internacionais, embora atentas a seus próprios problemas e aos riscos do terrorismo islâmico e dos conflitos no Oriente Médio, não ficaram completamente caladas. Segundo a União Europeia, conforme matéria do G1, o julgamento “careceu das garantias adequadas de um processo transparente”. Juristas venezuelanos e estrangeiros acusam o desprezo às normas e à independência de poderes no julgamento do corajoso líder político que se entregou às garras do regime opressor. A sentença se aplica, de acordo com os venezuelanos, pela acusação de “promover a violência nos protestos contra o governo do presidente”. Risível; um tiranete despudorado, bufão, que afirma conversar com o Espírito do seu antecessor Hugo Chávez na forma de um passarinho, cujo governo reprime violentamente manifestações, promove eleições inteiramente sob suspeita e faz vista grossa às milícias e forças clandestinas armadas que fazem imperar o caos em nome do chavismo, e que mantém um país reduzido à miséria e à opressão por um sistema espúrio e socialista – é este sujeito que acusa uma “extrema direita” inexistente, à qual Leopoldo pertenceria, de “promover a violência”. López sequer é um liberal clássico ou conservador; o Voluntád Popular, ao qual pertence, é um partido social democrata, no máximo – mas, destacamos, com uma dose de valentia e bravura diante da situação extrema que nos faz inveja, considerando o que as nossas oposições partidárias fizeram até hoje.
A distorção é inconcebível, intolerável, inaceitável. Só tem lugar em um cenário em que a mistura de populismo e esquerdismo ranheta se converteu em enfermidade crônica a, dentro do programa concebido pelos integrantes do Foro de São Paulo e seus aliados imediatos, abater imensa parcela da América Latina. Uma passada de olhos sobre nosso vulnerável continente permite observar que partidos com essas tendências, adaptando seus meios de atuação às estruturas constitucionais e sociais dos países em que se instalam, atingiram o poder e estão decretando nosso acelerado trajeto rumo ao atraso e à falência. Ainda que grasnem os tolos que a região vive uma era de “democracia ampla” e instituições saudáveis, a enfermidade, aproveitando-se da retórica vazia de um “democratismo” utópico, se alastra e condena esta porção de terra às mais severas restrições perante o mundo econômico globalizado.
Na Argentina, o kirchnerismo, embora o Partido Justicialista não seja oficialmente um membro original do Foro, se articulou com seus integrantes e afundou o país em uma crise profunda, ao mesmo tempo em que se viu às voltas com as suspeitas sobre a morte do promotor Alberto Nisman. Na Bolívia, Evo Morales, líder sindical e integrante do Movimento Para o Socialismo, coordena um governo antiamericano (ou “anti-imperialista”, como eles gostam de dizer), profundamente nacionalista e protecionista, em um país em que recentemente eleitores foram ameaçados com chicotadas (??) se não “andassem na linha”. O Chile, até então relativamente protegido dessa influência e com uma estrutura mais liberal, curiosamente legada pelo ditador Pinochet, agora está sob o governo da socialista Michelle Bachelet, que já apronta das suas e cai em descrédito perante a população. O Equador patina nas mãos de Rafael Correa, admirador confesso do chavismo. O Peru também tem um presidente da esquerda nacionalista, Ollanta Humala; o Uruguai segue nas mãos da Frente Ampla de Mujica, agora com seu correligionário Tabaré Vásquez como presidente; a Nicarágua continua sob o poder de José Daniel Ortega Saavedra, ex-guerrilheiro do movimento revolucionário sandinista, que segue se reelegendo indefinidamente; por fim, nações menores, como El Salvador, Dominica e República Dominicana, também são hoje governadas por partidos membros do Foro de São Paulo.
Tudo isso, não há negar, foi obtido às custas de uma integração ideológica e programática entre esses partidos e movimentos, que é proclamada mais ou menos abertamente, obedece a uma agenda regional contrária ao que seriam os verdadeiros interesses de seus países, e foi construído e possibilitado por uma combinação de fatores. Entre eles, está a cultura política já previamente frágil dessas jovens nações, com forte tendência a empossar governantes com concentrações de poder nada saudáveis e a cair no discurso de caudilhos e falsos sedutores que se proclamam grandes defensores dos oprimidos. Na constituição mesma desse processo de tomada de poder continental, porém, dois países se destacam. Um deles é a Cuba dos irmãos Castro; sobrevivente do comunismo internacional da Guerra Fria, ela é a menina dos olhos ideológica, o coração simbólico do Foro de São Paulo. As lideranças do núcleo bolivariano, ainda que oscilando entre um apoio aberto ao regime castrista e uma relativa discrição, em que posam de “críticas a violações de direitos humanos”, terminam não hesitando em beijar as mãos do “bom velhinho” Fidel. O outro, senhores, é o Brasil.
O Partido dos Trabalhadores é fundador do Foro de São Paulo. Junto a outras legendas nacionais, ele conseguiu articular uma hegemonia de mais de uma década no poder, em que, na mais explícita prostituição das verbas públicas e dos recursos das empresas estatais, alimentou não apenas seu próprio projeto de domínio, mas também fortaleceu, econômica e diplomaticamente, seus parceiros nos países vizinhos. Em grande medida, eles devem ao Brasil a possibilidade de continuar praticando seus abusos, julgamentos ilegítimos e desastres administrativos injustificáveis. Leopoldo e Ledezma, ex-prefeito de Caracas, estiveram presos por meses sem julgamento e suas esposas vieram ao Brasil clamar pela ajuda de nosso governo. Nossa presidente as ignorou. Em contrapartida, o PT recebeu, com pompas, um representante do carniceiro governo chavista, Tarek William Saab. Senadores de oposição do Brasil, em visita à Venezuela, foram agredidos e frustrados em seus intentos. Que reação enérgica veio de nossas plagas? Nenhuma. Em vez disso, uma vergonhosa comissão de senadores governistas esteve lá e voltou rendendo loas à “normalidade democrática” de um país em frangalhos. Nem sequer uma ofensa direta a um dos poderes republicanos da própria pátria foi capaz de comover o governo brasileiro; isso porque as aspirações do petismo, do bolivarianismo e de todo o Foro de São Paulo, a despeito das retóricas ufanistas de que se apropriam, não são patrióticas, mas sim internacionalistas – mas não no sentido de se abrir para o mundo, e sim no de se fechar em torno da “Pátria Grande” latino-americana.
Que destaque recebeu, por parte da imprensa, a absurdidade venezuelana? Que escândalo fizeram diante de um drama antidemocrático que tem lugar em um vizinho tão próximo? Em um misto de acobertamento intencional por pressões econômicas e cegueira ideológica auto imposta, a mídia mainstream não enxerga, nas devidas proporções, a realidade que nos cerca, tão próxima, e é incapaz de identificar suas causas e sua natureza. É por isso que proclamamos: precisamos divulgar! Precisamos difundir, mostrar aos quatro cantos o que está ocorrendo! Precisamos nos articular para devolver à América Latina as esperanças por um ambiente menos asfixiante e mais modernizado.
Para isso, em primeiro lugar, colaborará bastante a queda, no Brasil, do governo que nos mantém como coração econômico desse esquema internacional. Em segundo lugar, importa entendermos que, como maior força da região, temos de arcar com as responsabilidades que isso acarreta, e não apenas “usufruir” os bônus de que tanto nos orgulhamos – e que, na prática, são para poucos. Precisamos reconhecer, como país, que queremos não ser cúmplices desses violadores indignos dos direitos individuais e dos princípios humanitários, e que não acobertaremos mais a incompetência e a canalhice. Precisamos começar por aqui. Sem isso, nada feito, e a América Latina continuará pedindo socorro. Quem pode ouví-la e agir é o seu próprio povo. A responsabilidade é nossa.