A importância da Austeridade

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BbURKE

Bourdin Burke * 

A peça “The Importance of being Earnest”, do Irlandês Oscar Wilde, foi traduzida para nosso idioma substituindo “Ernest” (homófono para earnest = honesto) por “prudente”. Pode não ter sido um primor de adaptação, mas ela carrega consigo uma mensagem ainda mais relevante, tanto quanto em 1895, data da estreia em palcos londrinos, quanto em qualquer outra época e local: a moderação na gestão da reles pública, especialmente no trato com o dinheiro dos pagadores de imposto, é atributo que costuma fazer parte da agenda de líderes e estadistas mundiais que conduziram suas nações a períodos de grande prosperidade – ainda que, eventualmente, não tenham colhido os louros por tais realizações. Por outro lado, governantes menos acautelados costumam consumir descontroladamente todas as reservas acumuladas em tempo de austeridade – essa palavra que costuma fazer sangrar os tímpanos de ouvidos acostumados ao populismo e ao paternalismo. O Brasil, imerso em um desses ciclos de alternância no poder entre perdulários e ponderados, está apertando (ou tentando apertar) os cintos para, gradualmente, reequilibrar a economia nacional, após uma década de pouca prudência.

Seria preferível que um pai de família bancasse “o bacana” com seus filhos, atendendo a todos os seus pedidos de presentes, ainda que, em determinado ponto do mês, não fosse mais possível comprar comida? Ou seria conveniente destinar parte dos recursos disponíveis para adquirir mantimentos, economizar parte do restante, e somente aplicar o excedente (se houver) em itens prescindíveis? Comportar-se com frugalidade, sem dúvida, não apenas evitaria que esta família atravessasse períodos de penúria, mas também daria um exemplo de grande valia para os filhos.

A mesma linha de raciocínio pode ser aplicada a diversas outras atividades humanas: é melhor trabalhar em uma empresa dirigida por um proprietário camarada e que irá levar o estabelecimento à bancarrota rapidamente, ou sob a direção de um chefe carrancudo e sovina, mas que transmite a segurança de que as finanças da companhia permanecerão saudáveis por longo tempo? Jogar no time de voleibol do Bernardinho, ouvindo gritos e cobranças (em meio a muitas glórias), ou ser treinado por um técnico de voz mansa, que vai conduzir todos à derrota?

Eis porque ser submetido a ajustes na política econômica, muito embora acarrete sacrifícios no curto prazo, pode representar a necessária acomodação dos gastos públicos com a receita auferida pelo Estado. Da mesma forma, aliás, que todos nós fazemos vez por outra em nossas vidas: cortar supérfluos da lista do supermercado ou deixar de ir ao cinema, a fim de fechar as contas ao fim do mês, são medidas perfeitamente aceitáveis para o cidadão comum, e da mesma forma devem ser praticadas pelos ocupantes de cargos diretivos na esfera púbica. Tirar um país inteiro do buraco demanda que tudo o que se está fazendo seja paralisado, e todas as energias sejam canalizadas para o esforço de resgatar a vítima.

É claro que tal expediente só pode ser adotado a partir do momento em que se tem ciência do real prejuízo que precisa ser superado. Maquiar dados contábeis, para fazer parecer que o bicho não é tão feio quanto parece, pode até garantir sucesso em reeleições, mas só faz piorar o estado do doente, e, consequentemente, a previsão de tempo para sua recuperação. Por isso “pedalar” e adotar “contabilidade criatividade”, muito embora sejam expressões que até soem inofensivas, são práticas dotadas de potencial nocivo o suficiente para causar sofrimento por gerações inteiras – e motivar, sim, o afastamento de chefes do Executivo. Por tal razão, é possível que tenha causado espanto o novo cálculo do déficit público no corrente ano (em que o tamanho do rombo foi ampliado de 90 para 170 bilhões) e o anúncio da meta fiscal do ano vindouro (139 bilhões de déficit), mas a alternativa de fingir que belzebu é bonito já não era uma opção, dado o estado de estagflação enfrentado pelo país. Antes adotar o slogan “devo, não nego; pago assim que puder” a comprometer a credibilidade do Brasil frente a investidores nacionais e estrangeiros, face a insegurança gerada pela falta de transparência fiscal.

Não concorda? Veja o caso da Argentina, que preferiu, sob o comando dos Kirchner, manter uma cortina sobre a real situação das contas públicas por nada menos do que doze anos. O saldo: cinco moedas destruídas, inflação, atividade econômica desmoronando, Peso argentino desvalorizado como nunca. Mas antes tarde do que nunca. O povo Argentino terá que dançar um tango muito mais dramático do que seria necessário caso a prudência tivesse assumido o poder em eleições anteriores, mas os primeiros seis meses de Macri na Casa Rosada já dão sinais claros de que a economia de nossos vizinhos já começa a destravar.

Exemplo de quem apenas recentemente sentiu a água bater no queixo, e resolveu, portanto, tentar dar mais dinamicidade à economia nacional, é a França. País com tradição de exarar leis que limitam a competividade das empresas locais, o socialista (o que faz a necessidade, hein) François Hollande, no intuito de reverter a deterioração das contas públicas daquele país (que já possui carga tributária das mais altas do mundo), vem buscando implantar reformas adiadas desde longa data. A elevação da jornada de trabalho semanal de 36 para até 80 horas tem causado barulho nas ruas de Paris, mas reflete tão somente a austeridade sendo recuperada – com duras penas para os cidadãos que, em sua maioria, costumavam acreditar que a bonança poderia durar para sempre. Infelizmente, os franceses terão menos tempo para fumar nos cafés da Champs-Elysées.

Adotar reformas do gênero não é menos necessário no Brasil. Eu fico imaginando, todavia, o quão menos sacrificante isso seria para os trabalhadores se nosso caos urbano não exigisse deles a permanência de até quatro horas ou mais no deslocamento para o local de trabalho e retorno. Fazer mais horas extras é, por certo, muito menos desagradável do que passar tantas horas no trânsito ou no ônibus.

Quanto à permissão legal para que acordos firmados entre empregadores e empregados possa prevalecer sobre leis trabalhistas, fica mais fácil elucidar com um caso concreto: imagine uma indústria com mil empregados. Devido a dificuldades no caixa, a empresa pretende demitir 50 empregados, a fim de reduzir, temporariamente, a folha de pagamento em 5%. Todavia, em sede de negociação coletiva, todos os empregados acordam receber, durante o período de seis meses, uma redução salarial de 5%, a fim de evitar tais demissões, incluindo cláusula que prevê compensação financeira dessa perda remuneratória nos 18 meses seguintes. Ninguém perde o emprego e o balanço financeiro da empresa melhora. Parece bom para todos, certo? Menos para o Estado brasileiro, o qual, na atualidade, proíbe redução salarial sem a respectiva diminuição da jornada de trabalho (isso é, redução do salário-hora). Ou seja, a legislação pátria atual manda os 50 empregados acima referidos direto para a rua – e para o bolsa-família, claro, o que, para certos vivaldinos, podem nem parecer tão ruim, não é?

Já a reforma da Previdência social deveria ser do interesse de todos os jovens de nosso país, visto que são eles que bancam o contracheque dos atuais aposentados, sem nenhuma perspectiva que alguém faça o mesmo por eles no futuro. O mecanismo atual de contribuições, que destina todos os descontos para um único fundo, estimula fraudes, irresponsabilidade dos gestores e desvios daqueles recursos para outras finalidades. Desta forma, o que já estava fadado a fracassar (a previdência pública no Brasil é um esquema de pirâmide financeira) toma contornos de filme de terror, podendo alastrar o rombo financeiro para todo o Tesouro Nacional, ou deixar pessoas idosas sem pagamento, tal ocorreu recentemente na Grécia. Portanto, enquanto as contribuições com a previdência (tanto dos segurados quanto dos empregadores) não forem destinadas a contas individuais, das quais sairão os pagamentos de cada cidadão após sua aposentadoria, de pouco adiantarão reformas no sistema. Se eu souber que a tranquilidade da minha vida na terceira idade depender dos recursos depositados naquela conta específica, certamente irei até mesmo querer contribuir com percentuais maiores, terei interesse que esse dinheiro seja aplicado (em investimentos de baixo risco) de forma a render melhores dividendos, e poderei acompanhar de perto a quantas anda sua evolução. É claro que um percentual desta contribuição será destinado a quitar uma apólice de seguro, a qual irá dar cobertura ao segurado em caso de incapacidade laboral.

Depois de tanto tempo de economia inflada artificialmente, com os bancos públicos puxando os juros para baixo “na marra”, com crédito farto, e empregos garantidos com investimentos do Estado, a atual geração de brasileiros nem sabia ou lembrava o que era fazer sacrifícios. Mas a realidade está aí, e não acreditar nela em nada ajuda. Ajuda, sim, apoiar e até mesmo exigir prudência no manejo dos recursos públicos. Não apenas agora, durante o período de travessia entre a recessão e o restabelecimento, mas especialmente quando a situação do país estiver recomposta. Não podemos mais cair no conto do vigário populista. Coelhos podem sair da cartola e cartas da manga, mas na economia não há mágica: menos Estado, mais empreendedorismo, muita prudência.

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