A perversa admiração pela ditadura cubana
Na mesma semana em que alguns atletas cubanos desertaram durante a realização dos Jogos Pan Americanos do Canadá, o governo de Cuba reabriu sua embaixada nos Estados Unidos. A grande mídia, sempre acusada de ser de direita, dedicou-se a publicar matérias enaltecendo a reaproximação entre os dois países como um passo importante para o fim do embarco americano, que “há décadas penaliza o povo cubano”. Para a grande mídia, quem oprime o povo cubano é o governo dos Estados Unidos! A palavra “ditadura” continua a ser evitada.
Nunca ouvi ou li qualquer matéria levantando as razões do embargo e quais as exigências americanas para o seu fim; nem qualquer matéria lembrando que o rompimento das relações comerciais com os Estados Unidos era uma ideia central da Revolução Cubana; nem qualquer matéria expondo o sistema de escravidão que impera há 50 anos em Cuba; nem qualquer matéria comparando a qualidade de vida dos cubanos antes da revolução com a atual; nem sobre as expropriações, nem sobre as perseguições, nem sobre os fuzilamentos… Quando alguma matéria faz referência à falta de liberdade civil e de imprensa na ilha, percebe-se um cuidado especial para não dar um tom pejorativo ao regime.
As frequentes deserções e fugas de cidadãos cubanos são notícias que não levantam qualquer questionamento sobre as razões de pessoas comuns tentarem a todo custo fugirem do país. Nenhum jornalista da grande imprensa procurou pelo menos um desses desertores para fazer uma matéria sobre as experiências pessoais que o levaram a pedir asilo.
A impressão que tentam passar é que Cuba é uma admirável democracia moldada por um governo honrado e bondoso, onde os cidadãos são felizes sem os confortos e luxos promovidos pelo capitalismo; e aqueles que fogem são desajustados cuja ganância os fazem desejar viver no templo do egoísmo, do consumo e da vaidade.
Certa vez ouvi de um conhecido: “…é um número (referindo-se aos quase 800 cubanos que conseguiram chegar à Flórida em 2014) insignificante se comparado à população cubana, não representa insatisfação popular”. Eis o sentimento de um anjinho socialista em relação a centenas de pessoas que se lançam ao mar em balsas improvisadas, correndo riscos absurdos, só para ter melhores condições de vida. Este anjinho socialista representa muitos e muitos outros que, do alto de suas vidas burguesas, cultivam a perversão de apoiar uma ditadura. Este anjinho socialista, assim como todos, sequer tenta imaginar que para cada cubano que consegue realizar a travessia, dezenas de outros acabam morrendo pelo caminho; e por trás desses, existe toda uma população que tem plena consciência de que é escrava de uma ditadura e que alimenta o sonho de morar nos Estados Unidos.
A verdade: O cubano comum é tratado como escravo, impedido de ir embora e obrigado a trabalhar para o seu senhor estampando um sorriso de gratidão pela ração que recebe.
“Dane-se!”, pensa a mídia, pensam os intelectuais, pensam os artistas, pensam os inteligentinhos nas universidades, no Facebook e nos bares descolados da cidade. O que importa é a historinha muito bonitinha: Homens abnegados se unem, derrubam um governo corrupto e instauram uma democracia popular, que passa a ser atacada e sabotada pelo todo poderoso império capitalista, mas que resiste heroicamente oferecendo vida digna a toda a população. As perseguições, as expropriações, os assassinatos, a mão-de-ferro sobre a liberdade das pessoas são “detalhes que não desmerecem o projeto como um todo”, já ouvi.
Meses atrás, a Globo News fez uma matéria sobre uma jornalista recém-falecida. Nesta matéria, reproduziram uma entrevista na qual ela falava sobre o momento de maior gratificação de sua carreira: uma entrevista que fez com Fidel Castro. Impressionante o carinho da jornalista ao se referir ao ditador. Nauseante seu orgulho ao dizer que recebia presentes dele nos meses seguintes à entrevista.
A mesma imprensa que faz o maior auê após a revelação de casos de espionagem dos Estados Unidos, finge que não sabe do sistemático controle da ditadura cubana sobre a vida da população. A mesma imprensa que publica longas matérias sobre a “desigualdade” nos Estados Unidos, país onde faxineiras ganham 4 mil dólares por mês, finge que não sabe das reais condições da “igualdade social” cubana, onde todos são igualmente miseráveis e dependentes dos humores do governo.
O que não falta é literatura e depoimentos sobre os absurdos da ditadura cubana. Um dos livros mais reveladores é A Vida Secreta de Fidel, escrito por Juan Reinaldo Sánchez, que por 17 anos foi o chefe da guarda pessoal do “comandante”. Em 230 páginas, ele fala sobre sua devoção ao projeto socialista, sobre todas as mordomias e excentricidades de seu chefe e, por fim, sua profunda decepção e revolta ao se ver criminalizado por ousar requerer sua própria aposentadoria. Por isso, foi preso e torturado por alguns anos. Depois de solto, os dez anos seguintes foram dedicados a um único objetivo: fugir do país que ele tanto ama para simplesmente poder viver em paz.
Eis o último parágrafo do livro:
“Cometi o erro de dedicar a primeira metade de minha vida à proteção de um homem que eu admirava, em sua luta pela liberdade do país e em seu ideal revolucionário, antes de vê-lo tomado pela febre do poder absoluto e pelo desprezo ao povo. Mais que sua ingratidão sem fim por aqueles que o serviram, condeno sua traição. Pois ele traiu a esperança de milhões de cubanos. E, até o fim dos meus dias, uma pergunta rondará minha mente: Por que as revoluções sempre acabam mal? E por que seus heróis se transformam, sistematicamente, em tiranos piores que os ditadores que eles combateram?”.