A semana da covardia: da Petrobras, da “criatura” e do “criador”
A covardia de quem foge quando chamado a se expor, quando chamado a defender a sua dignidade e a sua honradez, é sempre uma das mais vergonhosas posturas que se podem manifestar no caráter. As bravatas dos nossos adversários – adversários de todos que primam pela decência e desejam proteger as liberdades – estão, em geral, travestidas de covardia. Não são muitos aqueles que, deslocados do coletivo acéfalo em que se mesclam e confundem, exortados a agir por si mesmos, colocados contra a verdade transparente e fustigados a falar, deixam de inventar desculpas para fugir. Em modalidades diferentes, a semana que passou foi marcada por notórias manifestações da covardia e da mesquinhez das figuras que conduzem hoje os rumos pátrios.
A começar pela Petrobras, que, em resposta a um pedido de informações feito pelo Estadão, confirmou ter destruído as gravações em áudio e vídeo de reuniões do Conselho de Administração, inclusive as do tempo em que elas eram presididas pela (infelizmente) presidente Dilma Rousseff, entre 2003 e 2010, quando foi Ministra de Minas e Energia e chefe da Casa Civil. Em meio a um escândalo de proporções quase insuperáveis – a não ser, talvez, pelo que ainda está por ser descoberto, caso possamos efetivamente ter acesso a provas e vasculhemos outras esferas da administração pública -, a empresa diz que os registros que poderiam fazer vir à tona a verdade não mais existem. A compra da refinaria de Pasadena, que resultou em prejuízo milionário, e outras decisões controversas da gestão de Dilma na empresa durante o governo Lula, estão entre as inconvenientes realidades que poderiam ser devassadas por essas evidências desaparecidas.
A CPI e o TCU requisitaram as tais gravações e a resposta tem sido essa. O argumento da empresa, segundo o jornalista Josias de Souza em seu blog no portal UOL, é o de que ‘’o procedimento está previsto no Regimento Interno do Conselho de Administração”. Isto é, é uma prática normal e regular da Petrobras apagar esses registros. Muito que bem; o razoável seria que o documento com essa regra fosse apresentado, fosse trazido a público. Infelizmente, respondem os porta-vozes da estatal, “o regimento contém normas sigilosas”, e também ele não pode ser aberto para consulta e conhecimento de todos. Restariam apenas, então, registros por escrito, atas que são meros “resumos do que sucedeu a portas fechadas”.
É muito curioso que uma empresa estatal do porte da Petrobras, protagonista de rombos da dimensão a que temos assistido, motivo constante de humilhação nos últimos meses para os brasileiros diante dos investidores e analistas internacionais – exceto para os ufanistas cegos de sempre -, manipulando e subsistindo a partir de verbas do povo brasileiro, esteja negando a esse mesmo povo e aos órgãos competentes de investigação os esclarecimentos cruciais para o processo de faxina das ruínas a que nos estão reduzindo. É isto, como dissemos, pura covardia; de que têm medo? O que os apavora? A verdade não pode ser motivo de receio para quem esteja de boa-fé. A covardia da Petrobras é uma covardia atrevida, ousada; a covardia de quem, mesmo com boa parte das trapaças postas à luz, mesmo sem ter a menor condição de iludir a mais ninguém, ainda se dispõe, com a maior desfaçatez, a ocultar a fonte das respostas que todo cidadão de bem tem o direito de obter.
Essa covardia atrevida, essa covardia de desfaçatez, uma covardia que exige, paradoxalmente, uma certa dose de “coragem” – melhor traduzida como a total despreocupação com qualquer senso de ética, um desprezo espantoso por aquilo que a opinião pública dirá -, já foi a tônica das atitudes individuais daquela que está hoje na presidência da República. Dilma até há pouco nos estupefazia com seus discursos públicos dizendo uma série inominável de absurdos óbvios, lançando-se em situações que fariam ruborizar qualquer ser humano normal, com um pingo de capacidade de se constranger. Até aqui, a consciência disso parecia passar longe da presidente.
Neste primeiro de maio, porém, receando os “panelaços”, receando os efeitos da contundente desaprovação popular e das manifestações de rua, Dilma não foi à televisão, não foi à rede nacional. Não fez o discurso tradicional do Dia do Trabalho. Usou apenas a Internet para tentar dizer algumas palavras, sem encarar a fúria de quem despertou para a realidade de seu governo. Com razão, a oposição a atacou pela demonstração, novamente, de covardia – desta vez, a covardia mais clássica, aquela de quem simplesmente tem medo, se envergonha e, no popular, “foge da raia”. Disseram alguns petistas: “não estão satisfeitos quando ela se manifesta, não estão quando ela deixa de ir à televisão. Afinal, o que querem?”. Não é o fato em si que nos incomoda; melhor seria se Dilma nunca mais se manifestasse como presidente da República. Melhor seria, como já dissemos, que renunciasse. Melhor seria que caísse. Estando lá, porém, e mostrando que não se atreve mais a enfrentar a posição do povo que preside, que não se atreve mais a aparecer perante seus “filhos” (sic) – não dizem alguns que ela é a “mamãe Dilma”? -, não está estampando apenas que se esvaíram as condições morais de permanecer onde está?
O dia em que Dilma teve medo de fazer o que sempre fez durante seu mandato anterior e exibir o rosto nos aparelhos televisores de todo o país, diante do povo que se propõe a governar, ficará marcado como o dia da covardia. O imperador D. Pedro I apareceu para uma população que ainda sequer era uma pátria constituída e anunciou o famoso “digam ao povo que fico”. Dilma está tão tomada pela covardia – e sustentando artificialmente sua posição, diga-se de passagem, por conta de interesses infames de poder, dela e de quem a cerca -, que não tem mais sequer a coragem de sair diante de sua gente e anunciar a única coisa que queremos ouvir dela: “digam ao povo que saio”.
A semana da covardia, excepcionalmente, teve um bom momento: a procuradora da República Mirela Aguiar abriu um procedimento preliminar investigando um alegado envolvimento do ex-presidente Lula em tráfico de influência no BNDES. Ele teria, segundo a revista Época, ajudado a empreiteira Odebrecht a obter financiamentos indevidos do BNDES no exterior. Assim como sua “criatura” Dilma, o “criador” Lula, à sua imagem e semelhança, não é nenhum poço de coragem. Exaltado por alguns como “grande liderança de massas”, ele também não tem se disposto a transitar pelas ruas, a aparecer entre as multidões. Criador e criatura andam confortavelmente entre militantes, entre os “movimentos sociais” que ainda se acumpliciam com seus projetos. O “criador”, também esta semana, resolveu aparecer, mas a resposta que deu à notícia de que estava sendo investigado foi, no mínimo, questionável: um vídeo simplesmente patético em que ele se exibiu fazendo exercício físico, dando dicas de saúde. Talvez Lula entenda de saúde física; a saúde moral do Brasil, porém, está combalida e empesteada, vítima de uma doença de que ele foi e é um dos principais agentes patógenos. Contra tanta baixeza, tanta hipocrisia e tanta covardia – que pode ser o emblema desta semana para os futuros livros de História -, o remédio para o país haverá de estar na coragem, na bravura cívica de quem se insurge contra essa imundície. Quero crer que os covardes, por sua própria natureza, se anularão em consequência, entocando-se como ratos, perante quem tenha envergadura moral para superá-los.