A voz de Winston Churchill pelo mundo livre: por uma liderança ocidental
No último dia 24 de janeiro, como alguns devem recordar, lembraram-se os 50 anos de morte do primeiro-ministro do Império britânico Winston Churchill. Personalidade polêmica – criticada, possivelmente com acerto, em alguns (ou muitos) aspectos; louvada, certamente com méritos, por outros -, sua importância talvez não tenha ecoado à altura de suas realizações, nesta data “redonda”que passou, ao menos no Brasil – que se goza, ao menos imperfeitamente, das liberdades ocidentais, também provavelmente deve muito disso aos esforços de Churchill nos sombrios tempos da primeira metade do século XX. Com efeito, diz o Spectator de 22 de janeiro de 1965, dois dias antes de sua partida deste mundo, que “nós vivemos como homens livres, falamos como homens livres, caminhamos como homens livres por causa de um homem chamado Winston Churchill”.
Exagero? É evidente que o esforço e, lamentavelmente, as vidas dos inúmeros soldados, britânicos ou não – os poucos a quem tantos deveram e devem como nunca, no dizer do próprio Churchill –, são tão ou mais importantes e decisivos para a derrota do eixo nazi-fascista na Segunda Guerra quanto as palavras inspiradoras e entusiasmadas daquele senhor corpulento que fumava e bebia muito, e tinha sempre uma resposta mordaz e espirituosa para os ataques e situações mais adversos. No entanto, é sabido e reconhecido que seus discursos foram fundamentais para incentivar os guerreiros que combateram, e as pessoas que sofriam com os efeitos dos horrores daquele conflito planetário, dificilmente mensuráveis para a minha geração e as outras que imediatamente a antecedem e sucedem. No prefácio do livro Jamais ceder! – Os melhores discursos de Winston Churchill, nas palavras do neto de Churchill, encontro referência a uma senhora que diz ter, aos 12 anos, vivido em um gueto, temendo a captura para os campos de concentração nazistas. A voz de Churchill no rádio, mesmo sem compreender o inglês, era o que mantinha, a ela e a seus companheiros, com esperança no futuro.
No Partido Conservador de 1900 a 1904, Churchill passou pelo Partido Liberal de 1904 a 1924 por discordar da orientação, a seu ver, muito protecionista de Chamberlain e outros políticos de sua legenda de origem. Retornou ao Partido Conservador, onde ficou até o fim da vida política, por considerá-lo o mais forte reduto contra o socialismo e “as tristes falácias de Karl Marx”. Muitos libertários e liberais clássicos criticam suas medidas durante o “esforço de guerra”, assim como também há os que criticam Reagan e Thatcher, conservadores que foram ícones na defesa da liberdade econômica décadas depois, por não terem ido além do que fizeram. Pode-se discutir o assunto, que não é o meu interesse aqui, desde que sejam reconhecidas as dificuldades envolvidas pelas circunstâncias delicadas que uns e outros encontraram. De uma coisa não se pode, porém, duvidar, sob pena de cometer injustiça imperdoável: Winston Churchill foi uma liderança ocidental por excelência. Isso quer dizer que sua luta, assumidamente e convictamente, foi travada em nome dos princípios mais nobres erigidos pela nossa civilização, pelo Direito e pelas liberdades individuais. Quaisquer que tenham sido suas políticas internas, Churchill representou para o mundo a voz da liberdade, veemente e altiva perante as adversidades que ameaçavam essa liberdade, fossem elas oriundas do comunismo soviético, fossem do nazi-fascismo italiano e germânico. Profético, Churchill tentou alertar os compatriotas e o mundo do perigo mortal que se aglutinava na Alemanha, com Hitler, e acabou tardiamente contemplado pelo povo pelo acerto de sua antevisão.
Jamais se furtou a dar nome aos bois. No extraordinário livro de discursos, vemo-lo alertar para os perigos do bolchevismo, “a pior, a mais destrutiva e a mais degradante” de todas as tiranias da história. Fiel ao espírito britânico, imbuído de uma atmosfera mais liberal desde a Carta Magna, limitadora do poder absoluto do rei – documento que este mês completou 800 anos, um marco ímpar na história do liberalismo -, ele já criticava a monarquia absoluta do kaiser russo, mas via no regime de Lênin e Trotsky as atrocidades “incomparavelmente mais repugnantes, em escala muito maior e mais numerosas do que qualquer uma pela qual o kaiser seja responsável”. Soube, desde então, quando muitos sonhadores socialistas e utopistas ocidentais procuravam se cegar para o óbvio, identificar as medonhas atividades perpetradas pelos marxistas-leninistas, ainda nos primórdios de sua nefasta influência sobre os rumos do século. Viu em Lênin um “aluno negligente”, que não aprendeu ser a propriedade privada “um prêmio à labuta humana e à poupança”, e alguém que ingenuamente julgou ser a impressão indiscriminada de moeda a saída – imbecil – para deixar a todos ricos. Foi autor de um dos mais brilhantes diagnósticos acerca do socialismo, de acordo com o qual este é “a filosofia do fracasso, o credo da ignorância e a pregação da inveja”.
O maior exemplo de Churchill, que ele deixa para o mundo atual, é o da importância de existir uma liderança sumamente OCIDENTAL, que não se envergonhe, diante da fraqueza e da covardia dos politicamente corretos, de desfraldar os princípios que nos ajudaram a construir e conquistar essa moderna civilização – aquela que permitiu a circulação dos valores de liberdade responsáveis por nos garantir o respiro de que podemos desfrutar, e nos garantirão muito mais se os apreciarmos e defendermos em alto e bom som, sem medo dos julgamentos infames dos que entregam seus bens aos ladrões socialistas e populistas, sub-reptícios e sem brilho, mas que fazem erguer-se seu triunfo diante da parca ou nula resistência. Onde estão esses líderes hoje? Nos anos em que a humanidade encarou, provavelmente, sua hora mais sombria, havia Winston Churchill para insuflá-la ao combate, à constante vigilância pelos ideais que a farão subsistir. Nos anos em que o mundo se dividiu pela tensão da Guerra Fria, havia também as lideranças ocidentais, a não se acovardarem perante o alastramento da tirania comunista, pavoneando-se na Rússia ou na China. Com os desastres internos e a pressão valente dessas lideranças, o Muro de Berlim caiu, e o edifício totalitário da União Soviética ruiu.
E hoje? E hoje, em que o terrorismo islâmico, a tirania bolivariana, os lampejos autoritários nas gigantes nações a Oriente, se articulam e zombam do Ocidente carcomido, onde estão essas lideranças? Podem elas voltar a se erguer? Estaria isso a ponto de acontecer? Queremos crer que sim.
Terminamos com as palavras mais lembradas de um dos discursos mais memoráveis de sir Winston Churchill, para ilustrar o temperamento bravo e encorajador de sua oratória:
“Muito embora grandes extensões da Europa e antigos e famosos Estados tenham caído ou possam cair nos punhos da Gestapo e de todo o odioso aparato do domínio nazista, nós não devemos enfraquecer ou fracassar. Iremos até o fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito nem por um momento, esta ilha, ou uma grande porção dela, fosse subjugada e passasse fome, então nosso Império de além-mar, armado e guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em frente para o resgate e libertação do Velho.”
Não nos rendamos, pois, também nós aqui, na árdua batalha por liberdade nestas plagas tupiniquins, ainda tão distantes de ver ocupados seus postos mais elevados de governo por figuras de tamanha envergadura.