Afinal de contas, o que é o comunismo? (II)
(para ler a primeira parte, clique aqui)

Na parte anterior, procurei dar uma definição de “comunismo” e acredito ter fornecido uma boa ideia do que se trata. No entanto, a coisa ficaria incompleta se eu tivesse me limitado ao aspecto puramente teórico.
Todos sabem que o marxismo é uma filosofia teórica e também prática. Vladimir Ulianov, vulgo Lenin, afirmou que “não há práxis revolucionária sem teoria revolucionária”, e podemos afirmar que a recíproca é também procedente, para o pensamento marxista-leninista.
Se Marx falou em uma sociedade comunista, ele jamais a concebeu como uma utopia, como a de Thomas Morus e outras. Ele queria que ela viesse a existir na prática. E se até hoje nunca existiu, é porque se mostrou inexequível.
No entanto, uma sociedade socialista totalitária, que consideramos um capitalismo de Estado acoplado a uma ditadura de esquerda, começou na Rússia a partir de 1917.
A prática teve início em plena Primeira Guerra. O exército czarista estava tendo grandes perdas humanas e derrotas para a Alemanha. Muitos propunham que a Rússia se rendesse condicionalmente enquanto era tempo e assinasse um tratado de paz com o inimigo.
Entre os defensores da rendição condicional estava Lenin, porque ele achava que a Rússia devia se manter afastada de uma guerra entre potências capitalistas.
Sabedor disso e desejoso de eliminar o front oriental (Rússia) e ficar somente com o ocidental (França e Reino Unido), o Ministro das Relações Externas da Alemanha Arthur Zimmermann resolveu patrocinar o retorno de Lenin à Rússia, para que ele fizesse a Revolução e retirasse o exército russo da Primeira Guerra.
Para realizar esse projeto temerário, pois o golpe comunista poderia ter fracassado, Zimmermann forneceu um trem blindado, para que o líder do Partido Comunista Russo fosse transportado em segurança da Suíça, onde ele estava exilado, para a Rússia.
Além disso. Zimmermann doou a Lenin 10 milhões de dólares, na época uma grande fortuna, o que mostra que sem o financiamento capitalista não se faz revolução socialista.
Lenin chegou à Rússia e a primeira medida que tomou foi insuflar os soldados russos, em sua maioria camponeses e operários, para que estes se revoltassem contra seus oficiais, na sua maioria nobres da corte czarista.
Era a estimulação da luta de classes nas Forças Armadas seguindo paralelamente com estimulação idêntica na sociedade russa. Afinal, “a história é a história das lutas de classe”, segundo a visão reducionista de Marx.
Mas o fato é que havia muitos grupos descontentes com o regime czarista, coisa bastante agravada com a grande mortandade de soldados russos na guerra e com racionamento de comida na sociedade.
Estes grupos se juntaram aos comunistas liderados por Lenin e foram eles que fizeram a revolução. Eram facções anarquistas, socialistas democráticas, socialistas cristãs, etc.
Lenin costumava chamar os membros desses grupos de “companheiros de viagem”, porém mais tarde eles se revelariam “idiotas úteis”.
Feita a Revolução Russa, foi organizado um governo provisório de cunho social democrata. O poder foi entregue a Kerenski que, como Primeiro-Ministro, governou o país, juntamente com a Duma (Parlamento Russo).
Mas o país ainda estava convulsionado e o governo Kerenski, apesar de tentar estabelecer a democracia na Rússia, era um governo sem pulso. Lenin se aproveitou da situação para dar um contragolpe na Revolução.
Juntamente com os bolchevistas, Lenin tomou o poder, fechou o parlamento e passou a governar autocraticamente a Rússia, o que teve continuidade com seu sucessor no “trono”: Josef Vissarionóvitch, mais conhecido por seu apelido: Stalin (feito de aço, em russo).
E é por isso que eu digo que sou inteiramente a favor da Revolução Russa, que derrubou um regime monárquico despótico em nome de um governo democrático – como o fracassado governo provisório de Kerenski -, assim como sou a favor da Revolução Francesa pelo mesmo motivo.
Mas assim como a Revolução Francesa sofreu um contragolpe dos jacobinos liderados por Robespierre, a Revolução Russa sofreu um contragolpe dos bolchevistas liderados por Lenin. E ambas as revoluções tomaram outro rumo: o da atroz tirania, igual ou pior do que a do ancien régime.
[Os bolchevistas eram a maioria (bolshevik) do Partido Comunista Russo, ao passo que os menchevistas eram a minoria (menshevik) ].

Robespierre implantou na França o Reino do Terror dizendo “Virtude sem a qual o terror é insano, terror sem o qual a virtude é inócua”. Embora não tivesse repetido a frase de Robespierre, Lenin adotou para si o Reino do Terror.
A única diferença é que na França o principal instrumento do terror era a afiada lâmina da guilhotina banhando de sangue a Praça da Concórdia, e na Rússia el paredón mais tarde adotado por Fidel Castro.
Já foi dito que “a revolução devora seus filhos”, e isto é verdade tanto em relação ao contragolpe dos bolchevistas como em relação ao dos jacobinos. Mas a pressuposta generalização não se sustenta. Há ilustres exceções.
A Revolução Gloriosa de 1688 na Inglaterra e a Revolução Americana de 1776 não devoraram seus filhos. Ao contrário, os enalteceram.
Na Inglaterra, foram enaltecidos a Casa dos Comuns e John Locke, nos EEUU os founding fathers Washington, Jefferson, Adams. Após a Revolução todos chegaram a ser Presidentes dos EEUU.
Resta dizer o que aconteceu na Rússia com o contragolpe dos bolchevistas, de um ponto de vista econômico.