Não é só no Brasil que “as elites” são sinônimos de algozes – ou: Até tu, presidente Obama?
Marcia Rozenthal *
Passada a tensão pré e per-impeachment na câmara dos deputados, e iniciado o processo procrastinatório no Senado Federal, abre-se espaço para que se possa refletir sobre temas diversos da atual “crise” generalizada que se instalou, como um vírus, dentro deste sistema chamado Brasil.
Vamos à introdução visual do tema deste artigo: vemos a imagem do globo terrestre, com uma seta apontada para o nosso umbigo, e este roda na vertical para que a mira se fixe exatamente sobre a cidade de Buenos Aires.
Agora, aos fatos: na sua recente viagem à Argentina, o Presidente Barak Obama teve um encontro com “Jovens Líderes das Américas”, que pode ser acessado neste link, sob o título Remarks by President Obama in Young Leaders of the Americas Initiative, Town Hall, Usina Del Arte, Buenos Aires.
Conforme pode ser lido neste documento, findo o discurso preparado para a ocasião, o Presidente abriu espaço para as perguntas dos “Jovens Líderes das Américas”. Em dado momento, um estudante de Relações Internacionais pediu que o Presidente abordasse a questão do conflito entre Israel e os palestinos. Após algumas ponderações de praxe, o Presidente Obama disse literalmente o seguinte:
“But initially, at least, I think the Palestinians have to feel like they have something of their own that they can say, this is ours and it expresses our deepest aspirations. And I think that the Jewish people have to feel safe. Now, the problem is, is that history casts a heavy cloud on this. Each side only remembers its grief, and has a very difficult time — has a very difficult time seeing the other side, the situation. And both of them have legitimate fears. And I will also say, though, that in some ways because Israeli society has been so successful economically, it has I think from a position of strength been less willing to make concessions. On the other hand, the Palestinians because of weakness have not had the political cohesion and organization to enter into negotiations and feel like they can get what they need. And so both side just go to separate corners. And we have worked and worked and worked”.
Optei por não fazer uma tradução livre desta fala do Presidente para evitar dúvidas quanto ao peso das palavras ditas. Apenas interferi, ao enfatizar com negrito a parte que me pareceu mais grave, que é o objeto deste texto.
Ouvir uma ponderação deste calibre de Lula, Dilma, Maduro ou de qualquer agente que representa a esquerda não me causaria estranheza, apenas a repulsa de sempre. Já estamos acostumados a este viés de culpabilizar a “elite” exploradora, intransigente e gulosa pelo mal e de premiar a “fraqueza” (weakness) com um passaporte para o ingresso no incrível reino encantado dos direitos sem deveres. Mas, quem esperaria que aquela análise viesse do Presidente dos Estados Unidos da América?
Seria uma declaração antipatriótica, um mea culpa pelos crimes perpetrados, inclusive por terroristas, contra seu país? Vale considerar que o Estados Unidos é o grande símbolo de prosperidade.
Seria um endosso ao covarde e irresponsável movimento de boicote, desinvestimento e sansões à Israel (BDS), como forma de enfraquecer este país, e força-lo a negociar/ceder sua segurança para atender à vaidade do Presidente Obama?
Obama dizer “Israel tem sido“, ao invés de dizer “Israel lutou muito para ser“, bem-sucedido economicamente é um escárnio. Vale considerar o histórico do povo que foi habitar aquelas terras com todo o respaldo legal das Nações Unidas. Lá estabelecidos, levantaram um país de verdade e desenvolvido. Israel é o resultado de esforço, sangue, lágrimas, criatividade, amor e vontade. O custo foi muito alto e os palestinos aparentemente nunca quiseram pagar o preço nessa moeda.
Os palestinos não são pessoas “mais fracas” como disse Obama e isso, aliás, é no mínimo, uma forma preconceituosa de se dirigir àquele povo. Podem ser equivocados, ou mal-intencionados, ou, ainda, sem propósito; mas são exímios arquitetos, engenheiros e construtores de túneis, sendo hábeis comunicadores lidando bem com a mídia internacional. Vivem dentro de uma cultura que exalta o destemor e o desapego à vida, assim se tornam capazes de desequilibrar qualquer conflito.
Disse, uma vez, Golda Meir que “é possível perdoar os árabes por matarem nossos filhos, mas não por nos obrigarem a matar os seus filhos”. Um país de 60 anos de idade que pode ostentar hoje 10 laureados com prêmios Nobel não pode ser acusado de beligerância. Em que outro lugar do mundo um país democrático e próspero tem interesse em guerrear?E, por outro lado, onde um território governado por uma facção terrorista tem interesse em fazer acordos de paz?
A análise feita por Obama me parece digna de um Presidente de uma republiqueta autoritária e não do país que sempre serviu como norte para o mundo, irradiando valores como desenvolvimento, prosperidade e solidez institucional. Emitir julgamentos sobre as intenções subjacentes a um discurso é sempre uma análise subjetiva, mas sem sombra de dúvidas, neste caso, há margem para que estas sejam interpretadas como perversas. Deixo a palavra com os leitores.
* Marcia Rozenthal é neuropsiquiatria, doutora em Psiquiatra pelo IPUB-UFRJ e pós-doutora em Ciências da Computação pela UFRJ.