Brasil à beira da hiperinflação

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RICHARD M. EBELING *

Inflacao_antes_e_depois_do_RealA expansão monetária e a inflação dos preços que ela traz em seu rastro sempre corroem o tecido social e econômico de uma sociedade. O valor do dinheiro diminui constantemente. Torna-se mais difícil para as pessoas planejar seu futuro financeiro. O dinheiro começa a perder sua utilidade como um denominador comum através do qual o valor de bens e serviços possa ser comparado. O modo irregular e desigual com que preços diferentes sobem em relação uns com os outros durante uma inflação – alguns subindo logo no início e outros subindo mais tarde no processo – traz uma redistribuição de renda e riqueza. Em toda a economia ocorre a má alocação de capital e trabalho.

Uma hiperinflação apenas leva as mesmas consequências a um extremo mais destrutivo. O dinheiro se aproxima da inutilidade. As pessoas gastam loucamente apenas para se livrar do dinheiro em seus bolsos. Poupanças de longo prazo perdem o seu valor em questão de dias. As pessoas tentam desesperadamente fazer malabarismos com seus ativos apenas para manter suas poupanças. O investimento de longo prazo – a base para a elevação do nível de vida – sofre uma parada. O comércio torna-se mais difícil, ou mesmo impossível, através dos canais normais de troca. Por fim, a própria divisão social do trabalho é ameaçada de colapso, já que as transações monetárias transformam-se num caminho para prejuízos econômicos, em vez de lucros. Rumo a seu fim amargo, a hiperinflação traduz-se no fim da ordem social e econômica.


O Brasil está à beira da hiperinflação. Em outubro passado, tive a oportunidade de fazer palestras em cinco cidades brasileiras, inclusive Rio de Janeiro e São Paulo. O convite para realizar essas palestras veio do Instituto Liberal, uma organização educacional sem fins lucrativos, dedicada à promoção dos princípios de um governo constitucional limitado, da liberdade econômica e das liberdades civis. O Instituto tem filiais em todas as principais cidades do País. É apoiado por um grupo pequeno, mas dedicado, de intelectuais brasileiros e empresários que acreditam fortemente nos princípios de uma sociedade livre.

O ambiente em que essas pessoas promovem os princípios da liberdade só pode ser descrito como o do caos econômico e político. Através de indústrias nacionalizadas e do subsídio a empresas privadas, o governo brasileiro controla 70 por cento da economia. Nos últimos quatro anos, mais de 54 mil novos funcionários foram adicionados à folha de pagamento do governo. Durante esse mesmo período, quase todos os funcionários públicos tiveram, por diversas vezes, grandes aumentos salariais.

Há também um imenso e inquebrável sistema de corrupção política no Brasil. Fora da cidade de Belo Horizonte, foi-me mostrada uma ponte de expansão sobre uma ravina profunda. Uma grande parte do dinheiro que havia sido alocado para a sua construção simplesmente tinha “desaparecido”. Também me contaram sobre um importante funcionário do Ministério da Previdência Social, no Rio de Janeiro, que havia sido pego usando dinheiro público para construir prédios de apartamentos privados. Apesar de o próprio funcionário ter recebido uma elevada renda de aluguel destes prédios de apartamentos, não recebeu ordem de prisão.

Também é praticamente impossível fazer negócios no Brasil sem o pagamento de subornos. As propinas são pagas ou para ter ignoradas as regulamentações governamentais ou para não ter “problemas” na obtenção de mão de obra e dos recursos necessários para realizar as atividades empresariais diárias.

inflacao_precos_Brasil_1993Para financiar seus gastos, o governo brasileiro recorre interminavelmente à impressão de dinheiro. Em outubro, a inflação de preços estava em torno de 40 por cento ao mês, ou bem mais de 1.200 por cento ao ano. Quando cheguei ao Rio de Janeiro no dia 14 de outubro, a taxa oficial de câmbio do governo era de cinco cruzados brasileiros para um dólar dos Estados Unidos. Mas no mercado negro (o que significa em todos os lugares, exceto no Banco Central do Brasil), a taxa era de 9,5 cruzados por dólar. No momento em que saí do Brasil, no final do mês, a taxa do mercado negro tinha ido para 12,7 cruzados por dólar, uma desvalorização de 33 por cento da moeda em pouco mais de duas semanas! (Para efeito de comparação, perto do início de 1989, a taxa do mercado negro era de 1,5 cruzado por dólar.) Com o dinheiro perdendo o seu valor, à taxa de um por cento ao dia, os restaurantes no Brasil não listam os preços. Em vez disso, ao lado de cada item há um número de código que o consumidor usa para se referir a uma folha destacável na parte de trás do menu. Os preços na folha são trocados em poucos dias – ou em menor prazo até.

Apesar de amplamente difundidos, os cartões de crédito raramente são utilizados. Devido ao longo tempo para que ocorra a compensação da cobrança do cartão de crédito através do sistema bancário, os vendedores normalmente acrescentam uma sobretaxa de 20 a 30 por cento sobre o preço do item comprado. Desse modo, os vendedores podem se proteger da depreciação do dinheiro durante o tempo que estão esperando para serem pagos pelas empresas de cartão de crédito. Assim, ao invés de pagar este custo adicional, as pessoas costumam pagar suas contas com dinheiro ou cheque. Os cheques são aceitos em todos os lugares porque todo mundo pode ser rastreado através de seu cartão de identidade nacional personalizado. O cartão contém o nome, endereço, profissão e número de identificação da pessoa.

Numa tentativa de se proteger da desvalorização futura da moeda, as pessoas têm seus contratos, bem como suas contas bancárias, denominados em termos de BTN, os títulos do Tesouro Nacional. O valor dos títulos é ajustado diariamente, de acordo com a evolução do índice de preços dos títulos. Para fugir ainda mais da inflação, os rendimentos ou são denominados ou são pagos em dólares. Um empregador brasileiro me disse que um de seus empregados até ameaçou pedir demissão do seu emprego se seu salário não fosse pago em dólar.

A inflação brasileira levou quase todo o investimento privado de longo prazo no País a um impasse. Com a incerteza generalizada sobre o que cada coisa vai valer no futuro, a maioria dos horizontes de planejamento por parte da comunidade empresarial se estende a apenas alguns meses.

No dia 15 de novembro, foi realizada uma eleição geral para presidente no Brasil, a primeira eleição presidencial em 29 anos (na maior parte desse tempo o Brasil esteve sob uma ditadura militar). A eleição de segundo turno foi realizada em 14 de dezembro entre um socialista chamado “Lula” e um candidato moderado-conservador chamado Fernando Collor de Mello. Quando os votos foram contados, Collor tinha vencido.

As únicas políticas econômicas que podem salvar o Brasil são cortes drásticos nas despesas do governo, a eliminação de regulamentações estatais que não só dificultam o setor privado, mas também dão origem à corrupção generalizada no setor público, e o fim das impressões políticas de papel-moeda que derramam ondas de dinheiro inflacionário – o tipo de políticas que, de fato, Collor prometeu adotar durante a campanha presidencial.

Mas promessas e o cumprimento delas são duas coisas diferentes. Collor só assumirá o cargo em março. As eleições para o Congresso só ocorrerão em outubro, e é improvável que a maioria eleita será a favor da economia de mercado. E a pressão dos grupos de interesses especiais é forte.

Enquanto isso, a inflação no Brasil tem piorado. Em dezembro, o custo de vida subiu 54 por cento. No total de 1989, a taxa de inflação de preços era de 1.765 por cento, a mais alta da história do País. E a expectativa era a de que 1990 veria a inflação subir ainda mais.

O Brasil é um imenso país, maior que a parte continental dos Estados Unidos. É rico em recursos e talentos humanos (como os Estados Unidos, o Brasil é uma terra de imigrantes de várias origens e nacionalidades). Se tiver liberdade para agir e ficar livre da intromissão do governo, poderá facilmente tornar-se um gigante econômico no espaço de uma geração.

Só podemos esperar que os apoiadores do Instituto Liberal tenham sucesso em persuadir seus concidadãos dos ideais de um governo limitado, uma economia de mercado e uma moeda confiável, antes que o país caia no abismo da hiperinflação e da consequente devastação social.

 

Richard_Ebeling* Professor de economia na Universidade de Northwood. Foi presidente da Foundation for Economic Education (2003-2008), foi professor de economia na cátedra Ludwig von Mises na Hillsdale College (1988-2003) em Hillsdale, Michigan, e foi vice-presidente para assuntos acadêmicos na Future of Freedom Foundation (1989-2003).

 

Artigo publicado em 1º de março de 1990 no livreto Freedom Daily, da Future of Freedom Foundation. Republicado pela FFF no blog Explore Freedom. Enviado ao IL pelo fundador e presidente da FFF, Jacob G. Hornberger

N.E.: O período acima descrito pelo autor refere-se aos estertores do governo Sarney (15 de março de 1985 – 15 de março de 1990).

 

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Ligia Filgueiras

Ligia Filgueiras

Jornalista, Bacharel em Publicidade e Propaganda (UFRJ). Colaboradora do IL desde 1991, atuando em fundraising, marketing, edição de newsletters, do primeiro site e primeiros blogs do IL. Tradutora do IL.

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