Brasil e Capitalismo: conhecidos ‘de vista’
No Brasil e em boa parte do mundo, a imagem daquilo que se supõe ser o sistema capitalista não é das melhores. A despeito da tragédia absoluta das experiências socialistas mundo afora, ainda vaga de nariz empinado a ideia de que mesmo o socialismo seria melhor do que “isso tudo que está aí”. Da miséria na África à corrupção em Brasília, o Capitalismo leva boa parte da culpa pelos problemas encontrados em diversas situações mundo afora. Aos seus detratores pode ser cômodo criar um espantalho e chamar-lhe de Capitalismo. Mas será correto afirmar que o Capitalismo “não deu certo” no Brasil e em outras localidades que não alcançaram níveis de prosperidade comparados aos dos países desenvolvidos?
Pra início de conversa, é necessário buscar uma melhor compreensão sobre o que realmente é o Capitalismo. Podemos dizer que se trata de um sistema econômico baseado em três pilares:
• Propriedade Privada de bens e meios de produção, sendo a propriedade sobre o próprio corpo e a sua força de trabalho o bem mais fundamental de todos;
• Liberdade de transacionar sua propriedade, empreender e comerciar; e
• Estado de Direito, onde todos os cidadão estão submetidos a um mesmo conjunto de regras claras, previamente estabelecidas que protejam contratos e direitos individuais.
É claro que a presença destes três pilares compõe a ilustração de um “tipo ideal”, difícil de ser alcançado em sua plenitude – assim como o tipo ideal socialista, na verdade. Nunca existiu em qualquer país um sistema de completo livre mercado, totalmente desprovido de amarras e interferências governamentais nas relações econômicas entre os indivíduos. Da mesma forma, argumentariam os defensores do Socialismo “Científico”, nunca houve uma aplicação estrita das ideias de Marx, ou mesmo, daquilo que Lenin planejava por em prática na URSS.
Apesar da impossibilidade de se comparar a aplicação ideal e perfeita dos dois sistemas, é possível, para fins didáticos, traçar um segmento de reta onde um ponto extremo seria o Capitalismo (com a presença absoluta dos três pilares acima listados) e o outro, o Socialismo (com a ausência absoluta dos mesmos pilares, substituídos pela soberania coletiva sobre o indivíduo, por meio do Estado ou, mais utopicamente, da “comunidade”). Assim, quanto mais próximo do tipo ideal Capitalismo, mais capitalista (e menos socialista) seria o país; quanto mais próximo ao tipo Socialismo, mais socialista (e, por óbvio, menos capitalista).
Para ajudar a entender, na prática, quais países são mais capitalistas e quais são menos, duas instituições norte-americanas (Fraser Institute, do Canadá, e Heritage Foundation, dos Estados Unidos) compilam anualmente dados sobre questões concernentes ao nível de liberdade econômica desfrutada mundo afora e organizam seus respectivos rankings: o Economic Freedom of the World Report (Fraser) e o Index of Economic Freedom (Heritage).
Tanto o ranking da Heritage quanto o do Fraser levam em consideração aspectos centrais na distinção entre Capitalismo e Socialismo, tais como:
• Participação do governo na economia
• Estrutura legal e segurança dos direitos de propriedade
• Controle da moeda e nível de inflação
• Liberdade para comerciar internacionalmente
• Regulação do mercado de trabalho e crédito
Quanto menor o grau de participação do governo na economia; quanto mais a estrutura legal é voltada para a segurança dos direitos de propriedade; quanto menor é o nível de controle sobre o câmbio e quanto maior é a prudência na emissão de moeda; quanto maior é a liberdade de comércio; e quanto mais livre é o mercado de trabalho e o crédito, maior é o nível geral de liberdade econômica nele desfrutada e, logo, mais capitalista ele pode ser considerado.
Os dois rankings, apesar de produzidos por duas instituições independentes e de contarem com algumas diferenças metodológicas, acabam encontrando anualmente resultados bastante semelhantes entre si. Os primeiros colocados nos dois rankings em sua edição 2011 (os países “mais capitalistas”) são Hong Kong (1° nos dois), Cingapura (2° nos dois), Nova Zelândia (5° – Heritage e 3° – Fraser) e Suíça (4° e 4°). Na outra ponta encontram-se Coreia do Norte (em último lugar no ranking da Heritage e nem sequer avaliada pelo Fraser, dada a impossibilidade de se obter informações fiéis à realidade), Zimbábue (antepenúltimo e 149°) e Cuba (penúltimo em um, e não avaliada pelo outro).
O Brasil encontra-se muito mal colocado nos dois rankings. No da Heritage, estamos na 114ª posição (na categoria dos países mostly unfree), dentre 179 países analisados, enquanto no relatório produzido pelo Fraser o Brasil situa-se como o 102° país mais livre economicamente, dentre 141 países. Esse dado dá uma dimensão de quão longe estamos dos países mais capitalistas do mundo. Aqui, indivíduos e empresas convivem com uma regulação tributária, laboral e creditícia que desencoraja aqueles que buscam empreender livre e honestamente. Outro resultado óbvio da falta de Capitalismo e de instituições que garantam o livre funcionamento do processo de mercado no país é a transferência de recursos produtivos (que deixam de ser empregados em melhorias nos processos produtivos) para o mercado político.
A histórica estagnação econômica da África e (de boa parte) da América Latina é fruto dessa anacrônica mentalidade anticapitalista que, ao cercear de diversas formas a liberdade de empreender, impede o florescimento de empreendedores que possam criar riquezas de forma sustentável. A revolução econômica pela qual alguns países da Ásia vem passando nas últimas décadas deveria servir de exemplo. Ainda que a região ainda deixe a desejar no que toca a instituições democráticas, a recente melhoria na vida de centenas de milhões de asiáticos é resultado direto da crescente liberalização econômica posta em prática (ainda que de maneira reticente em muitos casos).
A despeito do relativo sucesso da propaganda anticapitalista, o fato é que nenhum país até hoje tornou-se próspero sem adotar consistentemente as instituições que caracterizam e dão guarida ao sistema capitalista. No caso brasileiro, o Capitalismo é um mero conhecido de vista. Já o vimos na rua, na casa de um vizinho, talvez até já tenhamos esbarrado com ele no ônibus. Mas nunca realmente nos interessamos em conhecê-lo melhor, convidá-lo para a nossa casa e apresentá-lo a nossa família. No entanto, precisamos aprender a reconhecê-lo e não aceitarmos que nos vendam gato por lebre. Podemos ignorar a realidade, mas o fato é que seguir culpando o gato porque a lebre não consegue pegar o rato não nos conduzirá à prosperidade.
O autor cita três pilares, seguramente, assim como uma banqueta de três pés nela podemos sentar. Mas não nos dará firmeza. Para ter solidez é fundamental a conhecimento, a observação e a fiel e intransigente defesa do princípio da subsidiariedade, pois é a partir dele que formamos as pessoas, a família e as instituições sólidas. E é com base nele que podemos entender qual deva ser o papel do Estado na vida das pessoas.
Vale sempre lembrar que este princípio é e foi defendido pelas principais igrejas do mundo. A Reforma Luterana se deu pautada nele e este está incluído de forma clara no Catecismo da Igreja Católica. Ocorre que podemos ter estado de direito, mas ele deve vir acompanhado das explicações dadas por von Hayek. Caso contrário, a lei se afasta de Bastiat e ruma em direção a Gramsci. Não é a toa o que se mais ouve no Brasil é “estado democrático de direito”. Deveria ser “estado oclocrático de direito”.
http://www.vatican.va/archive/cathechism…/p3s1cap2_1877-1948_po.html