Carlos Lacerda – Pensador do jornalismo em “A Missão da Imprensa”
Terceira parte da série sobre o jornalista e político Carlos Lacerda
O livro “A Missão da Imprensa” (1950) é um testemunho de Carlos Lacerda sobre o jornalismo. Pelo título, já se depreende que esse personagem singular da história brasileira, sobretudo da imprensa nacional, o considerava como algo investido verdadeiramente de caráter missionário – o que pretendemos demonstrar. A obra é um registro escrito de discurso realizado no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, no Conservatório de Belo Horizonte e na Faculdade de Direito de São Paulo.
O autor não poderia começar doutro modo que não pela definição da tarefa do jornalista, pensando sua profissão:
Arte de simplificar a complexidade dos fatos e das opiniões, tornando-os acessíveis à compreensão de um número apreciável de pessoas, fixando-os num momento de sua trajetória, o que confere certa permanência à sua transitoriedade. E assim, na imobilidade de um momento, neles encontra a marca da eternidade. (LACERDA, 1950, p. 20)
Lacerda principia o livro transcendendo essa mesma definição. Ele estabelece que, em seu entendimento, a função do jornalista é a de um “zelador da comunidade”. Isso significa que cabe ao jornalista a tarefa própria de um vigilante da sociedade, que acaba por estimular a aceleração de processos e medidas públicas. Explicitando essa opinião, ele aproveita para endereçar uma crítica curiosa a quem acredita que os jornalistas não exercem um papel construtivo:
É realmente comum ouvir dizer de um jornal ou de um jornalista que ele não constrói. Fazem-se até comparações, mostrando que um governante constrói estradas, enquanto o jornalista apenas mostra que essas estradas custam o dobro do que deveriam custar. Tenho para mim que o simples bom senso mostra que, ao agir assim, o jornalista está realmente promovendo a construção de duas estradas pelo preço de uma. (…) O próprio do jornalista é ser o zelador, como de todo homem dizia Jackson de Figueiredo. Próprio do jornalista, antes de tudo, é “ver”. E, uma vez visto, dizer que viu. Da imprensa, já dizia Rui, ao qual tantas vezes recorrerei, que era “a vista da Nação”. E dizia também que pela imprensa ouve a fala a nação, temos que o jornalista é os olhos, os ouvidos, a boca e – ai de nós – algumas vezes até o nariz da nação.(LACERDA, 1950, p. 11)
De certo modo, o célebre udenista fala um pouco de si mesmo nesse momento, aproveitando para claramente se defender da fama de “destruidor”. Diante de sua atuação intrépida como opositor, foi posta várias vezes em dúvida sua capacidade de “construir”, até que ocupou a posição de governador da Guanabara.
Mais à frente, Lacerda retoma essa discussão: “pois do jornalista não se exija que construa senão aquilo que lhe é próprio construir: uma opinião pública bem informada, atenta, vigilante, esclarecida”. Como se vê essa função é considerada por ele como fundamental, defendendo honestidade e fidelidade a esse propósito por parte dos jornalistas.
No exercício dessa função de “zelador” e, como se vê, “construtor”, o jornalista lida muito com a “opinião pública”, conceito fundamental no estudo da imprensa, com que Lacerda não deixa de trabalhar. No corpo central do livro, ele propõe que a opinião pública é a “média da opinião daqueles que leem jornais”. Diz que cada país tem a imprensa própria ao caráter de suas elites dominantes – considerando por isso tudo o que a comunidade tem de mais influente, disseminador e formador de opinião, e não usando o conceito em um sentido marxista. Sendo assim, os problemas no campo jornalístico seriam reflexo das deficiências daqueles que, ocupando posições de destaque no campo social e cultural, acabam sendo então os principais responsáveis pelo estado das diferentes instituições e práticas no âmbito nacional.
A tenuidade das elites, a escassez, a falta de densidade delas, eis o que facilita a crise moral que grassa num país destituído de uma base material capaz de permitir o desenvolvimento numérico e qualitativo de sua gente. (…) Se a nossa imprensa está ruim, a culpa não é dos que não a leem e sim, precisamente, das elites que leem, que escrevem, que pagam, que anunciam, que temem, que se ausentam, que se esquivam, que se furtam – e que furtam! (LACERDA, 1950, p. 26)