Comunicação em tempos de enfrentamento: por um jornalismo e um discurso político mais corajosos
De todos os francos sintomas da enfermidade que nos atravanca o desenvolvimento, talvez aquele que mais me incomoda pessoalmente, e em cuja tecla tenho batido muito nos últimos tempos, é a pusilanimidade. Observa-se, em consequência de um processo profundo e quase onipresente de deformação da esfera cultural, uma anestesia intolerável, que faz transparecer a incompreensão, por parte de determinados grupos, da realidade que enfrentamos. Na propaganda partidária e no jornalismo, os problemas de comunicação daí decorrentes se fazem mais sensíveis.
Na política partidária, o PSDB enfurece o eleitorado por ter o péssimo hábito de ser modelo do que não se deve fazer nessa matéria. Diante de um governo e de um sistema de poder apodrecidos, raivosos, destrutivos, avessos à vitalidade democrática, nucleares em um bloco internacional de partidos e movimentos delirantes de esquerda, amigos de todo tipo de tirania moderna e arcaica, e berços acalentadores de um dos maiores esquemas de corrupção de todos os tempos, os tucanos insistem em ter cautela. Preferindo, em vez de assumir para si mesmos, como legenda de oposição, o clamor revoltoso da maioria absoluta do povo brasileiro, posar de equilibrados e grandes gestores técnicos (e, com o perdão da metáfora sexual, frígidos), simplesmente não conseguem estabelecer uma ponte com a realidade. Perdendo muito tempo com divergências burocráticas e de interesse eleitoreiro, não tiveram protagonismo nas mobilizações populares contra o PT em nenhum momento ao longo deste ano histórico de 2015. E, quando tem a oportunidade de aparecer em propagandas, vemos o senhor Aécio Neves, seu candidato nas eleições de 2014, afirmando apenas obviedades como “se o governo estiver certo, nós apoiaremos; quando estiver errado, combateremos”.
É exatamente o tom de virulência que esperamos! O inolvidável Carlos Lacerda, que em nome da UDN enfrentou a tirania de Getúlio Vargas e os desenvolvimentismos e populismos de pessedistas e petebistas, ficaria orgulhoso! Só que não. Dirão alguns: mas o PSDB é social democrata, sua timidez é natural! Não concordo com essa desculpa; o Voluntad Popular de Leopoldo López é um partido de centro para centro-esquerda, sem inclinações efetivamente liberais clássicas ou conservadoras, e compreende perfeitamente a natureza do autoritarismo truculento de Maduro na Venezuela. Em contrapartida, no Brasil, propostas realmente substanciais de reforma econômica, com viés liberal, para nos tirar do atoleiro, saíram dos estudos do Instituto Ulysses Guimarães, de ninguém mais que o governista PMDB, em quem não se pode depositar qualquer credibilidade.
Saíram, também, da surpreendente propaganda do Partido Social Liberal, que não se manifestava de forma similar há muito tempo. Fundado em 1994 pelo empresário Luciano Bivar, candidato à presidência nas eleições de 2006, o PSL apresentou um discurso coerente com sua proposta ideológica e hábil em sentir a atmosfera do momento, que clama por uma redução do Estado na vida das pessoas. Com citações explícitas a Milton Friedman e Ayn Rand, defesa de sua clássica bandeira do imposto único e críticas ao modelo do FGTS, o PSL foi propositivo e encampou ideias que devolvem a razoabilidade ao debate político-partidário. Preservou, é verdade, uma estética e retórica apelando a minorias – dirigiu-se às mulheres em específico, por exemplo -, mas devemos lembrar que é um partido social-liberal, não liberal clássico, libertário ou liberal-conservador. O avanço em clareza teórica é notório, sabe-se lá por que tenha acontecido.
No Jornalismo, a omissão da imprensa, em especial a empresa mais expressiva e poderosa, a Rede Globo, vinha sendo criminosa; os acampamentos em frente ao Congresso recém-desmontados, os desvios de escalas monstruosas promovidos pelo governo federal – reduzidos a menções insignificantes perto do destaque conferido às acusações contra Eduardo Cunha -, tudo isso vinha sendo negligenciado quase como se não existisse. O posicionamento ideológico da maioria dos jornalistas e o modelo econômico em que as empresas de comunicação crescem em profunda dependência das verbas de anúncio estatais e demais benefícios do governo são os principais fatores que podem ajudar a explicar isso. Porém, essa manipulação tem limites. O desastre é tão grande que não há acobertamento sistemático que possa ser absoluto, sobretudo em tempos de mídias alternativas e redes sociais. No último domingo, o programa dominical Fantástico teve que dar algum destaque às denúncias contra a empresa de consultoria do filho do ex-presidente Lula, acusada de copiar trechos da Wikipedia em seus relatórios apenas para justificar os recursos movimentados.
Mesmo diante dessa infâmia, temos casos de trabalho de qualidade a aplaudir. A Gazeta do Povo, do Paraná, entre os jornais impressos de maior expressão, foi o primeiro a defender o impeachment de Dilma Rousseff. Existe, é claro, o trabalho de portais como o nosso, think tanks e veículos de menor expressão, que se esforçam por quebrar o silêncio e forçar a grande mídia a reagir. A Veja ainda ataca o governo, apesar dos recentes recuos, das demissões questionáveis e de uma relativa guinada para a esquerda moderada, com direito a editorial desarmamentista. Mas queremos dedicar este espaço para uma congratulação especial à Rede Bandeirantes de televisão. Compreendendo que a democracia está morta na Venezuela há muito, a Band veiculou, para irritação da esquerda arcaica e provavelmente dos cúmplices de Maduro na classe política brasileira, uma série especial de reportagens que denunciam o autoritarismo naquele país. O título corajoso é Venezuela – No fundo do poço.
A Band está de parabéns por fazer o que todos desejamos que os veículos de comunicação façam: dar nome aos bois. É isso que anda faltando, em tempos de enfrentamento do surreal – para além disso, do criminosamente surreal –, na comunicação midiática e política. Aqueles que assim agirem serão perseguidos, contestados, criticados, mas terão a garantia do sucesso. É o caso da jornalista Joice Hasselmann, demitida de Veja, segundo ela mesma, por pressões diante dos ataques contundentes que fez, em seu espaço de comentários, ao ex-presidente Lula. É o caso de Diogo Mainardi, do portal O Antagonista, que desbancou, em recente episódio do programa Manhattan Connection, a jornalista Cristina Lobo, que sugeria estupidamente, como outros colegas de emissora, que há pouca substância nos ataques a Dilma Rousseff. É o caso de Rachel Sheherazade, do SBT, ou Paulo Eduardo Martins, que fazia seus comentários pertinentes no Jornal da Massa. Todos hoje, em maior ou menor grau, praticamente celebridades, todos aclamados pelo cidadão de bem.
É isso que os brasileiros esperam: que aqueles que estão encarregados de dar voz a eles, seja explicitando as questões e acontecimentos que lhes dizem respeito e afetam suas vidas, seja pretendendo, supostamente, defender seus interesses, falem a sua língua e não mascarem a realidade. Não é hora para covardias, joguetes de palavras e bom-mocismo. É hora de luta!