Faça comércio; não faça a guerra
“Quando as mercadorias não puderem atravessar fronteiras, as armas irão”. (Frédéric Bastiat)
O pedido de desculpa feito à presidente Dilma Rousseff pelo colega de Israel, Reuven Rivlin, teria sido motivado por interesses econômicos e acontecido a despeito das orientações da Chancelaria israelense. Foi o que sustentou o jornal israelense Haaretz ontem. Na segunda-feira, o presidente Rivlin pediu desculpas pelos comentários do porta-voz da Chancelaria de Israel, Yigal Palmor, há três semanas, que classificou o Brasil de “anão diplomático”, depois que o Itamaraty chamou de volta, para consultas, o embaixador em Tel Aviv.
Segundo o jornal israelense, o telefonema aconteceu por pressão da Israel Aerospace Industries (IAI), uma fabricante de aviões do governo israelense que participaria, neste momento, de uma concorrência de milhões de dólares para a venda de aviões ao Brasil.
Alguns torcerão o nariz para a iniciativa do governo israelense, afinal esse pedido de desculpa fortalece a posição do governo brasileiro, que sai do episódio, se não vencedor, pelo menos um pouco menos chamuscado. Não foi à toa que o chanceler (de fato, embora não de direito) Marco Aurélio Garcia agiu rápido, dando por encerrado o episódio.
Se a atitude do governo israelense pode parecer estranha para alguns, não é para quem conhece um pouco de história e de economia. Não há nada mais pacífico do que o comércio, um fortíssimo indutor da paz. O comércio constrói pontes, estradas, portos e aeroportos. O comércio une os povos através de um fim comum, que é a vantajosa troca de produtos e serviços.
Grandes pensadores, através do tempo, ensinaram que os benefícios do comércio vão muito além dos ganhos econômicos. Para Montesquieu, por exemplo, o comércio, lastreado na dependência mútua, desencoraja a guerra e une os povos. O filósofo francês também assinalou que o comércio tende curar “destrutivos preconceitos” e promover “modos gentis”, já que a “ferocidade” e a “falta de educação” dificultam e/ou impedem o comércio. (Chega a ser impressionante como os representantes de Brasil e Israel, no episódio acima mencionado, muito provavelmente sem nuca terem lido Montesquieu, conferem ampla razão a ele.)
Quem chegou à conclusão semelhante foi Kant. O filósofo alemão, em seu famoso ensaio “Paz Perpétua”, ensinou que “o espírito do comércio, que é incompatível com a guerra, mais cedo ou mais tarde ganha força em cada Estado.” Para Kant, “como o poder do dinheiro é talvez aquele de que o Estado mais seja dependente, os estados vêem-se forçados … a promover a paz honrosa e, pela mediação, a impedir a guerra, onde quer que essa ameaça apareça.”
Outro que reconheceu no comércio um poderoso antídoto para a guerra foi o inglês John Stwart Mill. Para este, o “comércio ensinou às nações a enxergar com boa vontade a riqueza e a prosperidade uns dos outros.” Tal visão superou a antiga tradição mercantilista-bélica do jogo de soma zero, em que os ganhos de uns necessariamente representam perdas de outros. Enquanto a guerra, esta sim, promove o jogo de soma zero (eu ganho, você perde), o comércio, com suas interações mutuamente benéficas, é um jogo de soma positiva, em que todos ganham.
É claro que o comércio, sozinho, não garante a paz, assim como o protecionismo também não é garantia de guerra. Como bem colocou Daniel T. Griswold, do Cato Institute, vícios humanos arraigados como ganância, inveja, racismo ou arrogância intelectual, combinados com o poder dos governos, podem sobrepujar a influência benéfica do comércio pacífico. Entretanto, não resta dúvida que o comércio entre as nações torna a guerra menos provável.