Idealismo e realismo político ou a Grécia clássica contra Maquiavel

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DUELOA antiga civilização está mais próxima de nós do que a moderna e a morte do passado recente avulta-se contra todas as pretensões totalitárias que recrudescem. O amanhã nostálgico da cátedra sedenta de louros e, mais ainda, a ousadia temática daqueles que combatem os vivos ideais permanecerão doravante como figuras retóricas de uma petulância sombria. Os intelectuais que ainda ousam se beneficiar como porta-vozes das justas demandas de uma humanidade carente haverão de ter sua loucura debitada na conta dos que contribuíram para a construção frenética de teorizações absurdas.

Por estranho que em princípio possa parecer, há uma real aproximação entre a nossa realidade histórica e a Grécia Antiga. O que a revitalização dos gregos pode promover no aspecto político é muito maior do que qualquer teorização a partir dos ideais modernos, pelo fato inescapável de que a modernidade contaminou-se com uma visão gregária e coletivista desde que seus próceres acadêmicos resolveram articular pretensões ideológicas e reflexões filosóficas.

Os filósofos gregos, no auge da sua contumácia espiritual e política, puderam realinhar dois pólos efetivamente díspares, quais sejam, a comunidade e a individualidade e, somente sob a tensão dessa dicotomia, sem a qual sucumbiria ou a vida social ou a autonomia individual, puderam soerguer o patrimônio imemorial de nossa civilização.

O individualismo grego diferiu do individualismo oriental na medida em que sua meta espiritual recaía antes na socialização bem resolvida que na sublimação do mundo. O horizonte metafísico foi então posto a serviço da potencialização social, de modo tal que as fulgurações divinas e religiosas jamais ultrapassavam a própria praxis bem sucedida. Os maiores filósofos, por mais elevados espiritualmente que pudessem ser, jamais se ausentavam da tarefa de recuperar na própria sociedade aquilo que alcançaram enquanto indivíduo. Desse aspecto, o da autossuficiência, estiveram impregnados e só assim conseguiram alcançar a maior evolução política da história por meio da consecução de leis e normas que haveriam de reger os concidadãos.

Não há como problematizar o outro sem haver conhecido a si mesmo e não há como conceber a política sem haver pensado o funcionamento estatal a partir de princípios legais. Não se pode fazer política sem escolher entre o amor à lei e o amor ao poder e essa escolha marcou a transição da política grega para a política moderna.

Como sabemos, Maquiavel difundiu a noção de política como amor ao poder e essa escolha foi direcionada para as próximas gerações. Testemunhou-se então a ruptura do padrão ético na realidade política como se a política se propusesse antes ao domínio que à comunhão de valores entre indivíduos unidos por um ideal comum. Observemos que o realismo político proposto ou imposto por Maquiavel encontrou guarida em todas as instâncias político-partidárias que trabalharam no sentido de golpear os ideais nobres, seja pela petulância em desqualificá-los, seja pela ousadia de se postularem como seus únicos depositários efetivos.

Pois bem, a intelligentsia perseguiu constantemente esse outro lado da política no qual a ética sublimada estava a serviço de um poder monumental e foi assim que se consubstanciou um ideário político desqualificado e desvirtuado, sem outro fundamento que o do artifício e da hipocrisia.

Nem sempre foi assim. Houve tempos em que a política espelhava do homem as suas mais altas aspirações. Nem sempre a prática social representou o escárnio para com o seu próprio povo. Nem sempre a ética sobrecarregada de discursos odiosos serviu como uma ladainha frenética e nem sempre o objetivo maior daqueles que ocupavam altos cargos foi o do usufruto indébito da riqueza que deveriam gerir. Nem sempre a política serviu à ralé baixa da intelectualidade obtusa, mas houve um tempo em que se consagrou à política o mais apto a gerenciar a riqueza em favor de todos e o mais capacitado a debater idéias em benefício público. Houve um tempo em que se projetou a estrutura social a partir de um ideal sublime de justiça e houve um tempo em que a grandeza do indivíduo era aclamada como um estandarte propício ao bom andamento de uma comunidade.

Batalhas foram travadas e bandeiras foram levantadas. Somos hoje uma civilização madura e apta para o progresso. Somos um povo capaz de levar adiante um projeto político de emancipação e trazer à tona uma juventude autêntica e poderosa, fazendo-a portadora de nossos nobres e imorredouros ideais. Não nos deixemos cativar por teorizações vãs e perniciosas, por pensamentos estéreis que tentam combalir a humanidade. A humanidade tropeça, mas caminha. O homem erra, mas reage e a juventude ecoa a pleno pulmão a liderança sóbria de outras épocas.

Por liberdade lutamos, por autonomia intelectual e moral persistimos, por nossos ideais morremos e por nossa coragem vivificamos o povo em busca de mais progresso, de mais valor, de mais dinamismo. Não reajamos com fúria aos que combatem com rancor, não recitemos letras tortas aos que nos caluniam; apenas ergamos nossas vozes como címbalos ensurdecedores e lembremos com vigor a nossa realidade de povo livre, de povo são e de povo amante das idéias clássicas de nossos passados gloriosos. Ninguém supera a audácia dos que encontraram a verdadeira prática: o pensamento livre como motor, a igualdade que aceita a diferença e o amor ao próximo como projeto.

 

 

 

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Catarina Rochamonte

Catarina Rochamonte

Catarina Rochamonte é Doutora em Filosofia, vice-presidente do Instituto Liberal do Nordeste e autora do livro "Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais".

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