Iluminismo & Ilusionismo – Parte I

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Mônica Lustosa *

ilusionistaRecentemente, eu passava um final de semana na praia de Muro Alto, a vizinha rica de Porto de Galinhas. Sob guarda-sóis brancos, estávamos reunidos à beira daquele delicioso mar de águas cristalinas, quando eu fiz um comentário trivial: “a esquerda reinou absoluta por décadas, mas, agora, a direita está voltando”. Eu não falei mais alto do que ninguém, mas foi como se tivesse dado um grito de guerra. Subitamente, todas as conversas paralelas – éramos cerca de nove pessoas –, foram suspensas, e eu pude constatar que, atrás dos óculos escuros, os dezoito olhinhos atônitos voltaram-se para mim. Uma amiga de infância virou o rosto em minha direção e exclamou: “Moniquita”! Está bem, eu exagerei; ela não disse nada, mas, com aquele olhar, foi como se dissesse.

A palestra de Luiz Felipe Pondé, no 27º Fórum da Liberdade, serve para ilustrar o assunto introduzido pelo parágrafo anterior. “O pensamento antiliberal ou de esquerda conseguiu, no Brasil, e não só no Brasil, conseguiu colar (sic) em si uma etiqueta que [indica que] ele é humanista, que ele é do bem e que ele está preocupado com os seres humanos. E quem é contra esse pensamento, cabe a ele uma espécie de pecha de que ele é egoísta, anti-humanista, malvado e cruel. A gente pode empurrar isso pra debaixo do tapete, a gente pode pensar que esse tema não existe, ou não é importante, mas isso é um fato”.

Sim, isso é um fato, e é a razão pela qual os meus amigos ficaram estupefatos ao testemunhar-me comemorando a volta da direita, que, no Brasil, ainda é vinculada à ditadura militar. Ora, a política econômica brasileira, sob o comando dos generais, assemelhava-se muito mais ao modelo celebrado pela esquerda – com suas empresas estatais, ampla regulação econômica e censura à imprensa –, do que ao modelo liberal, regido pela liberdade econômica. Meus companheiros de praia – vale ressaltar que nenhum deles é simpatizante dos partidos da base governista –, consideram-se de esquerda, sem sê-los de fato, vez que eles aclamam valores e princípios incompatíveis com a prática esquerdista.

Ao olharmos pelo retrovisor da história, poderemos constatar que dissensões conceituais não são exclusividades da nossa era. Voltaire, inclusive, já advertia para essa questão muito antes do surgimento das doutrinas fraudulentas que hoje nos assediam – “se queres conversar, define primeiro os termos que usas”, dizia ele. – Uma vez que a confusão, que atualmente só beneficia o coletivismo, tem poderoso impacto nas nossas escolhas políticas, como ensinou o iluminista, precisamos definir nossos termos, por mais óbvios que eles pareçam, pois os ilusionistas da esquerda andam à espreita.

O maior dos equívocos, mantido até hoje como se tivesse o aval da ciência, foi forjado por Marx, o ilusionista mor, no século dezenove, quando toda essa balbúrdia terminológica começou. De 1815 a 1914, entre as guerras napoleônicas e o início da Primeira Guerra, não houve nenhuma grande guerra na Europa, que colhia os frutos da liberdade econômica cuidadosamente semeada no século anterior, por Milton, Locke, Hume, Smith, Humboldt, entre outros ícones do liberalismo clássico. A Inglaterra removera, unilateralmente, suas barreiras artificiais ao livre comércio, e o mundo começava a conhecer um pouco do que a liberdade pode fazer pela economia. Marx, no entanto, para se referir ao modelo liberal, forjou o termo “capitalismo”, como uma forma pejorativa cuja intenção era denegrir o sistema livre, ao passo que destinou à sua vã doutrina o título de “socialismo”, expressão de valoração positiva.

O que ele pretendia, além de desvincular o sistema vitorioso da época ao seu verdadeiro nome – liberalismo –, era entronizar no inconsciente coletivo que o capitalismo estava a serviço do capital, ou daqueles que o possui; o socialismo, a serviço do social, ou melhor, da imensa parcela da sociedade que não tem acesso ao capital. Olha a jogada do ilusionista! O que ninguém percebeu — e se percebeu não lutou contra, e se lutou, não logrou êxito — foi que, com esse uso destorcido da linguagem, o vendedor de sonhos armou uma arapuca para os amantes da liberdade.

Segundo o ilusionista mor, no “capitalismo”, a propriedade dos bens de produção é privada; no socialismo, pública. Todo mundo sabe que, por uma questão de sobrevivência, a teoria marxista teve que fazer essa concessão à atividade prática, pois, uma vez que o governo não tinha condições de produzir tudo que a população precisava, até no regime soviético, grande parte das empresas eram particulares. No entanto, para demonstrar a incoerência do termo “capitalismo” como denominação do sistema baseado no livre mercado, vale considerar a premissa marxista. Ora, se capital é, por definição, bem econômico utilizado para a produção de outros bens ou serviços, então, tanto nos países “socialistas” quanto nos “capitalistas”, há capital, seja de propriedade do Estado ou da iniciativa privada. Nesse sentido, o Estado detentor de capital é capitalista, da mesma forma que o é um indivíduo.

Portanto, analisando a dinâmica da economia, o que podemos constatar é que a bipolarização se dá entre o capitalismo liberal e o capitalismo estatal. O primeiro é o sistema econômico cuja atividade produtiva, exercida livremente pelos indivíduos, orienta-se pela dinâmica de um mercado livre; enquanto que, no capitalismo estatal, a atividade produtiva é submetida à autoridade de um Estado despótico. Feitas essas considerações óbvias, uma breve reflexão é suficiente para concluir que os termos indicados para nominar os dois modelos é liberalismo e estatismo.

 

* Mônica Lustosa  é advogada, especialista em propriedade intelectual e diretora jurídica da HoodID – Registro de Direitos Autorais Online

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