Impostos: Nem progressivos, nem regressivos
O professor Ivan Dauchas publicou artigo ontem, aqui no blog, criticando a regressividade dos impostos brasileiros e defendendo tanto a progressividade do imposto de renda, quanto a instituição do imposto sobre heranças.
Concordo com o professor que os impostos incidentes sobre o consumo são injustos, porque altamente regressivos. Como já tive a oportunidade de demonstrar aqui, todo e qualquer imposto incide sobre a renda do contribuinte, ainda que, formalmente, ele possa ter como fato gerador o consumo ou o patrimônio, uma vez que qualquer tributo subtrai parte da renda do indivíduo. Ao fim e ao cabo, todos os impostos são sempre pagos pelos indivíduos, sejam na qualidade de investidores, trabalhadores ou consumidores, mesmo que o seu recolhimento aos cofres públicos seja realizado por pessoas jurídicas.
Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, onde esse é um imposto direto, cobrado e destacado no preço final de venda, aqui no Brasil o imposto sobre o consumo é cobrado de forma indireta, ou seja, já vem embutido no preço cobrado por comércio e indústria. Lá nos EUA, onde as alíquotas variam de 6 a 9%, dependendo do estado, os consumidores sabem exatamente quanto estão pagando de imposto em cada compra. Se o preço da vitrine é $100, por exemplo, no caixa da loja o valor final pago variará de $106 a $109. Trata-se de uma forma muito mais honesta e transparente de cobrar impostos do que a utilizada aqui, onde o contribuinte, muitas vezes, não tem a menor noção de quanto paga de imposto em suas compras.
A total falta de transparência e a cobrança indiscriminada de impostos indiretos traz consigo duas grandes vantagens para os governos. Ao mesmo tempo em que mantém os pagadores de impostos na mais completa ignorância, reduzindo a revolta da população por pagar impostos tão elevados em troca de serviços ruins, induz também o povão, cuja renda bruta do trabalho está isenta do imposto de renda, a pensar que só os ricos pagam imposto, quando, na verdade, proporcionalmente à renda, eles talvez paguem muito mais.
Enquanto, por exemplo, as alíquotas de imposto sobre valor adicionado (correspondentes aos nossos IPI, ICMS, PIS, COFINS, CIPE e outros), embutidas nos preços dos produtos e serviços, variam de 4,2% a 19,4% na Europa, de 3,9% a 7,3% na Ásia e de 10,7% a 20,6% na A.L., aqui no Brasil elas variam entre inacreditáveis 18,5% e 135,1% (vide estudo da FIPE aqui).
Só para se ter uma ideia do absurdo que isso representa, a carga tributária escondida no preço de 1 kg de açúcar, de acordo com cálculos do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário -, era de 68% em 2007, a mesma do detergente de cozinha. No leite, a carga era de 51%, na margarina 59%, e por aí vai. Esse imposto é pago, de forma absolutamente igual, tanto por ricos quanto por pobres. Entretanto, o peso do consumo de um litro de leite, um quilo de açúcar, um frasco de detergente ou um pacote de manteiga no orçamento dos mais pobres é muito maior, já que o percentual da renda desses últimos destinado ao consumo é também muito maior.
Concordamos também, eu e o professor Dauchas, que o imposto cobrado diretamente sobre a renda talvez seja o mais justo e o mais eficiente. Mas discordamos de que ele deva ser progressivo.
A ideia dos liberais de um imposto direto sobre a renda parte da premissa de que, sendo todos iguais perante a lei, sob uma mesma alíquota (flat), cada um contribuiria proporcionalmente aos respectivos ganhos. Assim, se a renda de Pedro é de $1.000.000 e a de João apenas $10.000, a contribuição de Pedro, embora nominalmente muito maior que a de João, será equivalente, em termos relativos ou proporcionais à renda.
Do ponto de vista liberal, o problema se instala a partir do momento em que o Estado pretende a tratar os dois de forma diferente, impondo a Pedro um esforço maior que o de João, através da progressividade de alíquotas. Além de injusta, a ideia também é ineficiente em termos econômicos, pois produz incentivos errados, desestimulando justamente os mais produtivos.
De fato, a história econômica sugere que a taxação progressiva sobre os ricos tende desincentivar o investimento e o crescimento. Os ricos costumam auferir renda de duas formas: com os lucros das empresas onde investem seus recursos e com os ganhos de capital. Não por acaso, os economistas recomendam que não se taxem os investimentos e o capital, pois essa tributação, além de distorcer os padrões de produção, mexe com a distribuição final de bens e serviços. Como o capital é a porta de entrada para o crescimento futuro, a tributação dos rendimentos de capital tende a reduzir investimentos e distorcer a produção ao longo do tempo.
No final dos anos 1970, alíquotas máximas do imposto de renda entre 60 e 90% não eram incomuns entre as economias avançadas da Europa e América do Norte. A estagnação econômica mundial daquela época, entretanto, fez com que alguns economistas, adeptos do que mais tarde se convencionou chamar de “supply-side economics”, passassem a defender a volta dos governos reduzidos, além da redução substancial dos impostos, especialmente para os mais ricos.
A tendência foi particularmente acentuada nos EUA e na Grã-Bretanha. Durante a administração de Ronald Reagan, por exemplo, as alíquotas máximas do imposto de renda caíram de 70% para 28%. Na Grã-Bretanha, Margaret Thatcher cortou a alíquota superior de 83% para 40%.
Embora de forma menos ambiciosa, outras economias seguiram o exemplo. Em 1988, o Canadá reformou seu sistema fiscal, achatando a estrutura tributária e reduzindo as taxas de topo. A Alemanha aprovou uma reforma no mesmo ano, diminuindo as taxas marginais sobre os mais ricos. Até mesmo a Noruega, em 1992, acabou cortando drasticamente as taxas de topo, tanto de trabalho quanto de rendimentos de capital, de 58% para 28%.
A taxação regressiva brasileira é particularmente nociva, já que mais de 49% da arrecadação vêm de impostos indiretos, segundo dados da Receita Federal (vejam a tabela abaixo, publicada originalmente no blog do economista Mansueto de Almeida), enquanto a média da OCDE, por exemplo, é de 33%.
Estrutura da Arrecadação de Impostos e Contribuições no Brasil -2010-2011-2012
Essa anomalia (mais uma jabuticaba brasileira) acontece basicamente em função do descompasso entre a altíssima carga tributária brasileira e o baixo nível de renda dos seus cidadãos.
Por exemplo, a renda mediana anual, por domicílio, nos EUA, era de US$ 51 mil em 2012, enquanto a faixa de isenção do imposto de renda por lá é, em média, de US$ 9 mil, ou 18% da renda mediana. Já no Brasil, segundo Mansueto de Almeida, a renda mediana mensal é de mais ou menos R$ 1.200, enquanto a faixa de isenção do imposto de renda é perto de R$ 1.800, ou 150% da renda mediana. Se fôssemos replicar a estrutura do imposto de renda dos EUA, a faixa de isenção deveria ser de meros R$ 216 – o que seria politicamente inviável, uma vez que o salário mínimo Brasil é de pouco mais de 700 Reais.
Ainda que aumentasse muito as alíquotas do IR das altas faixas de renda e taxasse fortemente os ganhos de capital (uma receita contraproducente, como vimos acima), dificilmente o governo obteria receita suficiente para desonerar o consumo. Em resumo, o Brasil, um país ainda pobre, optou por onerar os seus cidadãos com impostos de país rico. Com uma carga tributária tão elevada e níveis médios de renda tão baixos, não resta muita opção senão continuar taxando fortemente o consumo, via impostos indiretos, punindo mais quem ganha menos, além de elevar de forma desmesurada os preços de produtos e serviços.
Quanto ao imposto sobre heranças, este é um tema controverso, mesmo entre os liberais. Quem estiver interessado no tema, uma boa introdução é este artigo, do Laurence Vance.
Não Mauad, novamente não.
Primeiramente que os ricos pagam imposto direto e os pobres não. Ou seja, além dos impostos sobre consumo eles ainda pagam imposto direto.
Afirmar que os ricos consomem bens e serviços com impostos embutidos menores é uma afirmação ousada. Certamente que ocorre, por exemplo, se forem assistir peças teatrais, balés e assemelhados, porém em outros quesitos pagarão bem mais imposto embutido, como por exemplo em veículos, sobretudo importados. Ou seja NUNCA se poderá afirmar com um mínimo de certeza tal ousadia. PORÉM, mesmo assim ainda fica exótica tal afirmação, …
…pois que cada um possui consumos diferentes e ai teremos que uns pobres pagam menos impostos que outros e uns ricos também pagam menos imposto que outros conforme aquilo que consomem (sem contar que compram em estabelecimentos mais caros e até com IPTU maior).
Ou seja, tal afirmação é uma bobagem que visa apenas se adaptar ao moralismo milenar de que tudo se justifica apenas se em nome dos pobres. É uma politicagem muito antiga para que os meios se justificquem pelos fins.
Quanto a consumir toda a renda ou não, ai torna-se ainda mais exótiooca a afirmação e eu também comentei esta situação desde o primeiro ou segundo comentário. Ademais, afirmar que não consumir diminui a carga tributária é tolice, pois de que vale a riqueza se não para consumo? Tenho algumas vezes comentado sobre rendas impossiveis de se gastar e isso faz com que outros usufruam da renda daqueles que poupam. Ou seja, um rico que não usufrui da sua riqueza materialmente esta na verdade cedendo-a para que outros dela usufruam, sobretudo o governo usufruirá dela. Não faz sentido tal alegação, pois que em algum momento incidirá sobre essa poupança impostos. A afirmação de que pobres pagam mais impostos que ricos é demasiado temerária sob inúmeros aspectos, cabe bem na boca de candidatos demagogos, mas não em uma reflexão séria.
Imagine-se alguém protestando sobre a injustiça de alguns pobres de idêntica renda pagarem menos impostos que outros e o pior, protestando que ricos pagam menso impostos que ricos por conta do que cada um consome de sua riqueza. …Francamente!!! …é muita forçação de barra e até Lula sabe que tentar justificar uma asneira acaba levando a mais asneiras.
Não Mauad, eles não pagam proporcionalmente mais.
Isso é uma falácia das mais toscas. Aliás o exemplo do prof com a pretensão de mostrar tal asneira foi tosco.
Ora, quando se consome toda a renda líquida obtida, fatalmente quem compra mais pagará no total mais, porém as proporções ante a renda total se igualaria caso os impostos incidentes sobre todos os produtos fossem iguais.
O fato é que DEPENDENDO daquilo que se consome, se poderá pagar proporcionalmente mais ou menos. Conforme apontei para o consumo de “cultura” e remédios, habitação e alimentação.
Ocorre nem isso se dá, posto que aqueles de maior renda além de pagarem impostos diretos, ainda pagam os indiretos no que consomem tal e qual os pobres. Ou seja, os que ganham mais tendem a pagar sempre mais do que os que ganham menos.
Os impostos sobre o consumo são os menos injustos. Claro que pode-se concordar em pagar um pouco mais (o tal progressivo) a fim de oferecer benefícios aos mais pobres. É louvável e será justo apenas se tal for uma concessão espontanea.
Se valer do consumo de um único bem de preço inferior a renda do pobre para comparar a proporção com a renda do rico é uma tolice das mais tontas. Afinal, ambos pagam o MESMO MONTANTE pelo MESNO BEM ADQUIRIDO. Apenas o de maior renda poderá adquirir mais bens.
Anuir com essa comparação de proporções PRÁ LÁ DE ESDRÚXULA é o mesmo que dizer que os pobres pagam preços maiores do que os de maior renda.
Aliás, sob tal asneira, seria impossível que todos pagassem a mesma carga tributária a menso que tivessem rendimentos iguais. ….Francamente!!!
A alegação de que nao havendo imposto sobre o consumo “aí sim, se igualaria” seria outra asneira prá mais de metro e meio. Afinal, os preços finais carregam em si todos os impostos, variando apenas o instante da produção onde são computados tais custos.
Ou seja, bens e serviços cuja MO fosse melhor remunerada teriam impostos maiores. Ai o pobre pagaria menos caso consumisse apenas produtos cuja MO fosse de baixa remuneração. …rsrs …não dá!!!
…tem asneiras bem formulados e outras muito mal pensadas. Francamente!
Você teria razão, meu caro Pedro, se – e somente se! – todos consumissem toda a renda auferida. Não é o que acontece, por motivos óbvios. No agregado, os ricos poupam muito mais do que os pobres, além de consumir mais serviços, que têm impostos embutidos menores. Portanto, acredito que os impostos sobre o consumo são, sim, regressivos. Isso não quer dizer, no entanto, que no geral a tributação brasileira seja regressiva, já que os pobres não pagam imposto de renda. Mas eu tampouco disse isso.