Indignação seletiva patológica: os casos UNE e MPL

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12516143_1000294516709221_180047463_nO enredo pode variar um pouco. Contudo, existe certa uniformidade e constância em algumas das suas ocorrências. Basta um desastre, um atentado ou um evento que provoque uma cobertura atenta da mídia e logo surgem os “textões” de facebook, manifestações de solidariedade, “hashtags” e toda sorte de ações nas redes sociais. Em seguida outro grupo reage. Levantam suas bandeiras lembrando-se de outros casos, atos terroristas, refugiados, mortos, desabrigados, lugares em guerra, famílias vivendo em situações insalubres. A este fenômeno de discordância entre as pessoas sobre o grau de importância dos acontecimentos que os ronda se dá o nome de indignação seletiva.

Entre outros fundamentos, a indignação seletiva se alicerça no “fellow feeling” da simpatia (ou empatia, dependendo do autor), ou seja, a nossa capacidade de indignação surge e se amplia na mesma medida que nós somos tocados ou podemos nos ver na dor alheia. A simpatia surge sempre nesta relação com o semelhante. Não se trata nunca de comparar dois sentimentos de duas pessoas que não tenham uma relação entre si, mas sempre de verificar a semelhança do sentimento dentro da relação.

Deste modo, ao assistir o noticiário, um pai com filhos adolescentes, membro da classe média e morador de uma grande cidade sempre se identificará com o sofrimento, em primeiro lugar, de pessoas que tenham este mesmo tipo de atributos distintivos.

Consequentemente, quanto menos pontos de ligação entre aquele que sofre e aquele que presencia o sofrimento, mais distante é a capacidade de realizar este exercício da imaginação moral (ou dos sentimentos morais) que é o de se colocar no lugar do outro.

Alguns já devem ter identificado que estou a me balizar na tese central da obra que, junto com outros, considero a obra-prima de Adam Smith a “Teoria dos Sentimentos Morais”. Mas, por que tão longa introdução?

Porque, nos últimos tempos, tem ficado cada vez mais acentuada a interferência de outro fenômeno na nossa percepção moral subjetiva: a paralaxe cognitiva – uma dissonância entre o eixo da especulação teórica e a experiência concreta da realidade. Esta intromissão tem conduzido nossa outrora natural seletividade para uma condição completamente patológica. Sob a tutela da nossa seletividade natural, por mais distante que fôssemos do outro sofredor, sempre nos identificaríamos com o fato de sermos humanos. Nossa indignação sofria de seletividade, mas era submissa a uma organização que se orientava pelo favor ao próximo, a vizinhança, a comunidade e, por fim, abrangia toda a humanidade.

A indignação patológica, por outro lado, orienta-se em outro eixo. Uma afinidade que se estabelece na articulação de “nós”e do “eles”,  da relação amigo-inimigo. A UNE, por exemplo, reagiu de modo completamente desproporcional para ações idênticas apenas por mudar o seu realizador. É capaz de realizar atos e mais atos contra os cortes da educação do aliado inconveniente, o governador Luiz Fernando “Pezão”. Cortes estes que somam R$ 547 milhões. Por outro lado, a reação é diametralmente oposta quando o assunto são os cortes muitíssimo maiores, no montante de R$ 9,4 bilhões, realizados pela “companheira” e presidente Dilma.

O fenômeno se repete também quando analisamos os criminosos contumazes, os “puladores de catraca”, do Movimento Passe Livre (MPL). A reação testemunhada em algumas capitais, no último dia 08 de janeiro, se rege pela mesma patologia sentimental. A histeria generalizada e a dose de proto-terrorismo sedento pela balbúrdia e pelo enfrentamento com a polícia militar são consideradas justas em nome de uma reação ao aumento de passagens. Em contrapartida, vivenciamos o retorno da inflação, fruto de uma política econômica fracassada e um aumento generalizado de preços – um verdadeiro  “tarifaço” – posterior à vitória eleitoral, mas a reação desse grupo é inexistente. E o silêncio é ainda mais eloquente quando o MPL caminha com uma faixa dizendo: “R$ 3,80 O povo não aguenta!”, como se apenas este aumento fosse um disparate.

Sabemos que em qualquer ato ou manifestação da esquerda tem lá os mesmos de sempre clamando por uma “revolução” e a implementação de uma ditadura que já conta com mais de 100 milhões de mortes nas costas. No entanto, não vemos tais manifestações serem completamente ridicularizadas; a patologia por detrás deste raciocínio é muito clara. O pensamento revolucionário rompe os vínculos entre o indivíduo e sua humanidade, dando-lhe um novo critério para sua indignação seletiva. Autoriza, apenas, a enfurecer-se em nome de sua causa, de seu purismo teórico; e os critérios com que se medem não são mais o dos homens comuns, mas sim os da “vanguarda”.

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Fernando Fernandes

Fernando Fernandes

Graduado em Direito (UFRJ). Mestrando em Filosofia (UERJ).

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