Não existe liberal-conservador
Conheço um monte de gente que se diz “liberal-conservadora”. Geralmente, essas pessoas afirmam ser liberais em economia e conservadores nos costumes. Pretendo aqui tentar esclarecer que a expressão “liberal-conservador” é um oximoro, uma contradição em termos.
Em seu famoso manifesto “Por que não sou conservador”, Hayek imaginou um triângulo eqüilátero no qual, sobre cada um dos vértices, situavam-se liberais, conservadores e socialistas. O triângulo de Hayek visava contrapor a ideia de que os liberais se encontram no meio de uma linha em que os extremos são ocupados, à direita, por conservadores e, à esquerda, por socialistas.
Malgrado existam liberais, conservadores e socialistas de diversos matizes, distribuídos ao longo de cada um dos lados do triângulo, a verdade é que podem ser traçadas fronteiras bem nítidas entre essas três correntes. Assim como os ditos socialistas podem ser mais ou menos radicais (comunistas ou social-democratas), o mesmo ocorre com os conservadores e com os próprios liberais. Entretanto, nenhuma dessas correntes ou ideologias se funde com a outra. Assim como não existe “social-liberalismo”, também não acho adequado falar de “liberal-conservadorismo” ou “social-conservadorismo”.
Embora certos nichos neoconservadores mais radicais ainda prezem o nacionalismo e, por conseguinte, apoiem medidas protecionistas (tanto em relação ao comércio quanto à imigração), além do aumento da tributação para financiar o fortalecimento das forças armadas, de forma geral a doutrina conservadora observa o liberalismo econômico como um valor, ainda que lhe atribuam um peso bem menor que os próprios liberais. Portanto, se você é liberal apenas em economia, mas conservador no resto, você não é “liberal-conservador”, mas apenas conservador. Da mesma forma, a defesa da liberação das drogas, da prostituição, da eutanásia, etc. não o torna um “social-liberal”, mas, pura e simplesmente, liberal.
Por outro lado, muitos liberais autênticos se consideram conservadores pelo simples fato de defenderem valores morais rígidos. Gente que é avessa ao consumo de drogas, à prostituição, à eutanásia, ao aborto, à pornografia, bem como professa valores religiosos e familiares rigorosos, por exemplo, não raro se considera conservadora. Na verdade, você pode ser tudo isso e, ainda assim, ser um liberal radical, bastando apenas que você não defenda o uso dos poderes de polícia do estado para impor aos demais os seus valores ou obrigá-los a rezar pela sua cartilha.
Este que vos fala é considerado por muitos um sujeito bastante careta. Entre outras coisas, está casado há 32 anos com a mesma mulher, não consome drogas, não é chagado à pornografia, nem a prostitutas. Entretanto, defende o direito dos outros de fazer tudo isso e acha que o Estado não tem o direito de impor seus próprios valores aos demais.
Ninguém explicou essa questão melhor do que Hayek. Segundo o austríaco, “Em termos gerais, poderíamos afirmar que o conservador não se opõe à coerção ou ao poder arbitrário, desde que utilizados para fins que ele julga válidos. Ele acredita que, se o governo for confiado a homens probos, não deve ser limitado por normas demasiado rígidas”.
Como se vê, o que determina se alguém é liberal ou conservador não é, de maneira nenhuma, os valores morais segundo os quais essa pessoa decidiu viver, mas a sua visão sobre os limites dos poderes do estado. Portanto, a diferença não está propriamente nos valores, mas precisamente nos princípios que cada um defende. Mas deixemos que o próprio Hayek sintetize:
“Como o socialista, o conservador preocupa-se menos com o problema de como deveriam ser limitados os poderes do governo do que com o de quem irá exercê-los; e, como o socialista, também se acha no direito de impor às outras pessoas os valores nos quais acredita. Quando digo que o conservador carece de princípios, não quero com isso afirmar que ele careça de convicção moral.
“O conservador típico é, de fato, geralmente um homem de convicções morais muito fortes. O que quero dizer é que ele não tem princípios políticos que lhe permitam promover, junto com pessoas cujos valores morais divergem dos seus, uma ordem política na qual todos possam seguir suas convicções. É o reconhecimento desses princípios que possibilita a coexistência de diferentes sistemas de valores, a qual, por sua vez, permite construir uma sociedade pacífica, com um emprego mínimo da força. Sua aceitação significa que podemos tolerar muitas situações com as quais não concordamos.
“Há muitos valores conservadores que me atraem mais do que muitos valores socialistas, porém a importância que um liberal atribui a objetivos específicos não lhe serve de justificativa suficiente para obrigar outros a submeter-se a eles. Não duvido que alguns de meus amigos conservadores ficarão chocados com as “concessões” às opiniões modernas que eu teria feito na Parte III deste livro. Contudo, embora possa não gostar, tanto quanto eles, de algumas das medidas mencionadas e até votasse contra elas, não conheço nenhum princípio geral ao qual recorrer para persuadir os que têm opinião diferente de que tais medidas são inaceitáveis na sociedade que eu e eles desejamos. Para conviver com os outros é preciso muito mais do que fidelidade aos nossos objetivos concretos. É necessário um comprometimento intelectual com um tipo de ordem em que, até nas questões que um indivíduo considera fundamentais, os demais têm o direito de buscar objetivos diferentes.”
É isso aí!
Nosso caríssimo Barão de Mauad fala como se só os vértices do triângulo de Hayek fossem ocupados (ele estaria sentado sobre o vértice liberal, of course). Não é assim que a banda toca. Somos todos seres impuros e ocupamos diferentes pontos da área do triângulo. É a maior ou menor proximidade com os vértices que deve definir se somos mais liberais, mais conservadores ou mais socialistas.
Você tem certeza de que leu o que está escrito, Rubem? Fui bem claro ao dizer que não são apenas os vértices que são ocupados. Veja aí:
“Malgrado existam liberais, conservadores e socialistas de diversos matizes, distribuídos ao longo de cada um dos lados do triângulo, a verdade é que podem ser traçadas fronteiras bem nítidas entre essas três correntes. Assim como os ditos socialistas podem ser mais ou menos radicais (comunistas ou social-democratas), o mesmo ocorre com os conservadores e com os próprios liberais. Entretanto, nenhuma dessas correntes ou ideologias se funde com a outra. Assim como não existe “social-liberalismo”, também não acho adequado falar de “liberal-conservadorismo” ou “social-conservadorismo”.”
Leia o texto de forma integral Leo, não há nada errado em se ter valores conservadores e nem é necessário ser relativista moral. Eu tenho uma esperanças no ideal liberal, mas compreendo seus limites. Em relação a politica externa, eu sou bastante “conservador”. Aplicar praticas liberais em politica externa é esperar que o mundo todo se conversa em pessoal gente boa. Tão utópico quanto o comunismo, todo mundo tem que pensar igual a você pra funcionar. Liberação de drogas faz muito bem, mas hoje se esse mercado for aberto e desregulado, você já tem players formados no mercado que se tornariam os maiores ou únicos donos dessa fatia de mercado (FARC é um exemplo clássico) e ganhariam um poder politico imenso pois poderiam abertamente utilizar do seu dinheiro para corromper os três poderes sem o minimo pudor(Hoje mesmo já fazem). Estamos tratando de vida de pessoas, não de ideologias vagas na mente. Medidas radicais podem destruir a democracia ou acabar com a vida dos pobres, porque os ricos sempre tem pra onde se refugiar se algo der errado.
Caro Willian, obrigado pelo comentário, mas acho que ele não faz muito sentido. Hoje em dia, os consumidores de drogas estão nas mãos dos traficantes, que misturam tudo que é impureza no produto que vendem. A liberação traria para o mercado fornecedores e produtos muito mais confiáveis e limpos. Eu, se consumisse drogas, preferiria comprar o produto das mãos de uma Souza Cruz e não do traficante da esquina.
Recadinho pro presidente do instituto? Hihihihi. Continue com o ótimo trabalho e talvez um dia ele saia do armário conservador, Mauad. Ele é tipo o Wanderley da sauna gay, ele está “gostando cada vez mais dos valores conservadores”, não apoia a liberação das drogas, desdenha o casamento gay, admira com todas as forças Pinochet e Tatcher, apoia as “bombas de democracia” dos EUA, mas não é um conservador! Imagina! Hehehehe.
Caro Léo, como coloquei no texto, acho que você pode defender valores conservadores e, ao mesmo tempo, princípios liberais.
Tudo bem, Mauad. Mas quem não quer liberação das drogas, evita a todo custo falar sobre casamento gay (e quando fala é só para fazer piadas e falar que não é prioridade alguma), apoia guerras, admira ditadores (veladamente, claro, “Cuba matou mais, hihihi”), elogia a ditadura militar, é contra pesquisas com células-tronco, propaga o islamismo como um dos maiores males da humanidade, já disse ser contra a liberdade de expressão nos casos de defesa do comunismo e pedofilia, defende a violência policial, fala que os beneficiados do Bolsa Família são os responsáveis pela pobreza do país (e não vítimas!)… pode ser muita coisa, mas liberal eu tenho certeza que não é.
Fora outras questões que não o tiram do liberalismo, mas que quando você junta com os pontos anteriores vê que o sujeito realmente não tem como receber outra denominação que não a de conservador, como defender a todo instante todo e qualquer valor conservador, criticar sempre as religiões que não são as “oficiais” (catolicismo, evangélicas seculares e judaísmo), ser crítico de moda (“Mujica não se dá ao menos respeito com essas sandálias medonhas”, “que horror aquele soco inglês de silicone que a rebelde colocou”, “ir de boné aba reta pro shopping é uma afronta”), condenar qualquer medida liberal proposta por um socialista (casos Jean Wyllys e Mujica), resgatar atrocidades teóricas que foram deixadas de lado há dois séculos como culpar o clima como sendo responsável pela pobreza dos países tropicais.
E isso é só o que eu tirei da memória agora!