O abismo entre dogmatismo e pragmatismo na política brasileira
Ontem foi votada a primeira peça legislativa relevante sobre o ajuste fiscal necessário para restabelecer a normalidade nas contas públicas brasileiras, cujo déficit primário no ano passado chegou a inacreditáveis 97 bilhões de reais. A MP versava sobre uma maior rigidez na concessão do seguro-desemprego e abono salarial, e sua aprovação resultaria em uma economia de 18 bilhões de reais por ano, quantia bastante significativa dentro do atual panorama brasileiro. O resultado surpreende não pela vitória da aprovação, embora por pequena margem, 252 a 227, mas pela total loucura nas posturas de cada partido envolvido na votação, deixando claro que praticamente nenhum deles tem qualquer apego a ideologia e coerência.
Partidos de centro e centro-direita normalmente tem apreço a regras de responsabilidade fiscal. Por outro lado, partidos mais à esquerda não tem o menor compromisso com as contas públicas e só pensam em gastar, deixando para o governante de amanhã a conta da farra de hoje.
Vejamos os partidos que ocupam a área mais à direita do espectro político brasileira, ainda que não tenham abraçado totalmente a visão de direita liberal ou conservadora (DEM e PSC) ou que não queiram ser partidos à direita mas a sociedade tenha imposto esse papel a eles por condições alheias à sua própria vontade (PSDB e PPS), e seu desempenho na votação de ontem.
Percentual de deputados a favor da responsabilidade fiscal ontem:
PSDB=0%, PPS=0%, PSC=20%, DEM=36,36%
Todos esses partidos ignoraram por completo a demanda concreta das contas públicas pelo ajuste, sendo que, há pouco menos de seis meses atrás, na luta contra a “Lei de Anistia” ou “Lei do Calote da Dilma”, onde o Congresso aprovou emenda que fazia da Lei de Responsabilidade Fiscal letra morta e isentava a Presidente do crime de responsabilidade fiscal, a oposição votou firmemente a favor da responsabilidade fiscal.
Percentual de deputados a favor da responsabilidade fiscal há seis meses atrás:
PSDB=100%, PPS=100%, PSC=40%, DEM=90,9%
O que mudou entre o apego à responsabilidade fiscal há seis meses atrás e ontem? Na parte teórica, nada. Na parte política, tudo. Pela teoria, os deputados deveriam seguir o raciocínio de seis meses atrás, mas a mudança de postura foi total apenas pelo fato do Governo estar apoiando a medida de ajuste dessa vez.
Esse é um exemplo concreto de como o debate político brasileiro é pouco afeito ao real debate de ideias. Desgastar o PT e o Governo é melhor para os políticos de oposição do que defender suas próprias ideias. Só que essa posição não se sustenta no longo prazo. Se os partidos de oposição defendem ideias petistas porque, provisoriamente, petistas defendem projetos que deveriam ser de partidos de oposição, cria-se no imaginário político brasileiro a ideia de que partidos são todos iguais. E acabam por ser mesmo, já que o parâmetro partidário deixa de ser uma ideologia e passa a ser uma necessidade de ocasião. E por que um eleitor votaria em um “PT da oposição” se ele pode votar em um PT que está no Governo e tem cargos e poder à disposição?
Me causa particular choque quando eu vejo grandes formadores de opinião de direita do Brasil, vários deles meus amigos, criticando os poucos deputados dos partidos supracitados que foram coerentes com a sobrevivência do Brasil, muito embora provavelmente os motivos pelos quais eles tenham votado de maneira correta tenham sido pouco republicanos e ligados a interesses particulares.
Por outro lado, PT, PCdoB e outros análogos são partidos comprometidos com o trabalhismo, o socialismo, todo o tipo de intervenção estatal e direito social, além da gastança sem limites, e no entanto votaram em peso em uma medida que reduz o tamanho do Estado e racionaliza um pouco as contas públicas que eles mesmo destruíram, o que demonstra nesses partidos um certo instinto básico de sobrevivência, afinal, se o Brasil vier a perder grau de investimento e não mais conseguir rolar sua dívida, o que pode gerar até moratória e fim dos investimentos internacionais, isso pode significar o fim desses partidos na prática.
Cabe ressaltar que essas medidas ainda são insuficientes, e que além do corte de direitos sociais e redução do Estado, é essencial que haja um corte na própria carne, com redução de ministérios, de funções e de cargos de confiança, coisa que até o momento não aconteceu, como já foi relatado aqui em outra oportunidade. PT, PCdoB e sua gangue implodiram o Brasil com bastante perícia, inchando a máquina administrativa, inviabilizando a atividade privada nacional com alta burocracia e tributação, fazendo da poupança nacional terra arrasada e pondo ao chão uma empresa que era responsável por 10% do PIB. Para o país voltar ao normal, o corte de gastos e a recessão proveniente da liquidação de maus investimentos provavelmente será muito maior, e como a sua base partidária é ideologicamente contra gastar apenas o que se arrecada, é de se pensar até onde vai o comprometimento dos parlamentares com essa reforma fiscal e administrativa.
E isso não é difícil de se imaginar. O apoio da base parlamentar sempre vai até onde houver dinheiro para a liberação de recursos de emendas parlamentares e cargos em comissão. Mas… que dinheiro?