O “fator Cunha” e o “fator oposição”: anti-herois e vilões em um filme sem mocinhos
Um filme de máfia, com poderosos figurões – de ligações suspeitas e obscuras – se enfrentando entre si, mas sem o mesmo charme estético que os “poderosos chefões” da vida costumam ostentar. Ou talvez um filme de Velho Oeste, em que, porém, está ausente o familiar barulho do “bang-bang”. Talvez essas sejam as melhores maneiras de definir a atmosfera intensa e de tirar o fôlego que tomou de assalto o cenário político brasileiro. Mal tentamos resumir o momento, mesmo para organizar as próprias ideias e interpretar a realidade, e novos fatos arrepiantes vêm se somar ao acúmulo de reviravoltas que configuram a atual crise institucional que, mesmo sem o estouro que Odebrecht havia ameaçado causar, já abala a República. No momento, o fator central que apimenta o país, do Planalto ao Congresso, do Congresso ao Planalto, segue sendo Eduardo Cunha.
Se você não esteve em outro planeta no último fim de semana, sabe que o presidente da Câmara, sentindo-se ameaçado pelas investigações da Lava Jato, alegando estar sendo alvo de maquinações do governo federal e do procurador-geral da República Rodrigo Janot, anunciou que agora faz oficialmente parte da oposição. Não perdeu tempo: já autorizou a abertura da temida CPI do BNDES e a CPI dos fundos de pensão, e notificou autores de onze pedidos de impeachment de Dilma Rousseff – entre eles o deputado do PP-RJ, Jair Bolsonaro – de que eles dispõem de até dez dias (agora um pouco menos) para emendar os documentos, que serão apreciados e, a julgar pela conjuntura, ao menos algum deve ser aproveitado para tentar aplicar o golpe mortal (e totalmente constitucional) na presidente. A situação levanta debates entre liberais e conservadores, quanto a se dever ou não “apoiar” Cunha em seu combate ao PT. Ao meramente dizer que Cunha é um “político habilidoso”, o que não implica nenhum juízo de valor moral, fomos pessoalmente criticados. O que realmente pensar sobre a questão?
Considero, em primeiro lugar, que é razoável o receio de alguns de que se cometa o mesmo cacoete da esquerda e se eleja algum tipo de heroi salvador a encarnar as aspirações do antipetismo (mais do que, propriamente, da “direita”). Eduardo Cunha não é um heroi. Como bem ilustra recente artigo de Flavio Morgenstern, ele apoiou o PT e é tão somente um peemedebista talentoso; como tal, é de uma classe de políticos vinculados à “oligarquia fisiológica”, que não enxergam grandes princípios ou correntes de pensamento, mas sim apenas carreirismo e posições de poder. Não há uma linha de Adam Smith, Mises ou Edmund Burke por trás das ações de Cunha. Se ele é culpado da acusação feita pelo delator Júlio Camargo? Irresponsável afirmar qualquer coisa.
Confesso que as mudanças no teor do depoimento deste último, logo neste conveniente momento de turbilhão, somadas à anunciada ameaça de Janot, meses atrás, de anular sua delação premiada ao nada citar contra Eduardo Cunha, me soam questionáveis. Isso não pode ser transformado, diga-se de passagem e como parece ter sugerido Cunha, em uma cruzada contra Sérgio Moro, contra a Lava Jato ou a delação premiada. Não se pode fazer tal estupidez contra uma movimentação que promete balançar os alicerces do que há de profundamente escuso em nossos centros de poder, e precisa do nosso apoio para tal. Se é isso que Cunha entende, não podemos, em hipótese alguma, apoiá-lo nesse ponto – assim como, pessoalmente, achei ridículo, por exemplo, o seu intento de criar o “dia do Orgulho Hetero” (por mais repúdio que eu tenha ao movimento político organizado LGBT), ou seu apoio à idéia de criminalizar a “arma branca”. É muito importante não incorrer nesses equívocos.
Entretanto, se precisamos fugir dessa irresponsabilidade, por outro lado, é inegável que, quaisquer que sejam os seus motivos, Cunha tem feito a oposição mais intrépida e combativa do país. Em seu mandato, a Câmara está operando em independência louvável do Executivo; medidas como a redução da maioridade penal, ainda que com restrições, foram aprovadas. Novos golpes contra o esquerdismo galopante ainda podem estar por vir, ainda que a peça que os mobilize não seja um heroi imaculado, e sim uma espécie de “anti-heroi” forçado por interesses e desejos revanchistas. E aí está o “pulo do gato”; se você quer lidar com política, não pode querer apenas idealizar purismos sacrossantos. O cenário não é brincadeira, sobretudo neste momento; temos um jogo de xadrez e, seja por qual motivo, as peças se movem. O segredo é saber pensar estrategicamente e posicionar-se diante delas da maneira mais favorável. Neste momento, Eduardo Cunha está sendo muito útil. A tentativa de criar o barulho do “fora, Cunha” é, evidentemente, fruto do interesse do lulopetismo e da esquerda pseudo-oposicionista (leia-se PSOL, PCdoB e Cia.) em eliminar uma peça extremamente incômoda. Que Inteligência há em liberais e conservadores, com tão pouca voz ativa nesse conflito, se juntarem a essa gritaria? Não se trata de julgar que “fins justificam meios”. Não estou sugerindo que protejamos criminosos. Apenas que aguardemos que apareçam provas, e que não ajudemos o inimigo maior a fazer seu serviço sujo. E que apoiemos, SIM, o presidente Eduardo Cunha nas medidas corretas que está implementando, e somente nelas. Não é preciso, jamais, comprar pacotes completos para abraçar os pontos que são justos. Sabemos, afinal, hierarquicamente, qual é o mal mais perigoso.
Em contraste com Cunha, entra em cena a oposição partidária brasileira. Os tucanos, em especial, são acusados por parte da imprensa de estarem adotando a tática do “quanto pior melhor” e votando contra algumas medidas de ajuste fiscal que eles próprios sustentariam, caso fossem governo, sendo incoerentes com seu programa e sua trajetória. Talvez se possa concordar parcialmente em que certas votações da oposição estão sendo questionáveis, mas é uma brincadeira de mau gosto de jornalistas tendenciosos colocar sobre esse fator, e não sobre o próprio governo, a responsabilidade pela situação a que chegamos (posto que é seu dever, ora pois, governar), que não terá, e não pode mesmo ter solução, enquanto as teias do lulopetismo não forem removidas – o que começa pela queda do governo federal. No entanto, a despeito disso, os tucanos seguem tímidos, bem como a maioria da oposição – com exceções honrosas, que precisam buscar mais destaque. Já anunciaram que participarão “ativamente” (sic) das manifestações de 16 de agosto, mas novamente não abraçam, de pronto, a bandeira do impeachment, e procuram se cercar o tempo inteiro de cuidados e reservas em suas colocações. Esse excesso de “não me toques” é um dos motivos para um Eduardo Cunha, por exemplo, assumir o protagonismo da vez.
Nesse nosso jogo tupiniquim, não há mocinhos contra bandidos. Há tolos e ingênuos, e aqueles que sabem o que querem e aonde querem chegar. Pode haver também os que estão atirando no desespero. Cabe a nós usar de sabedoria na hora de nos situarmos nesse lamaçal prestes a explodir.
Excelente texto e reflexão!
“Inimigo de inimigo meu, amigo meu, pelo menos por enquanto, é!
Depois que ele ajudar a defenestrar o PT do poder, se for provado que ele tem culpa no cartório, cuidaremos dele!”
Como sempre, é um privilégio visitar o Instituto Liberal e ter a oportunidade de ler textos como este. Uma análise perfeitamente alinhada com a realidade, imparcial.
Parabens ao autor