O Governo fez tudo errado, como quase sempre
Bastante interessante e ilustrativa a entrevista concedida à Veja pelo empresário Sérgio Habib, presidente da JAC Motors no Brasil. Bastante contrariado com as constantes mudanças impostas pelo governo para o setor automobilístico e desiludido quanto à retomada dos investimentos num país onde as regras do jogo são alteradas quase todos os dias, prejudicando principalmente os setores onde a maturação dos investimentos longa, Habib desabafou (os grifos são nossos):
O novo regime automotivo instaurado pela presidente Dilma, também chamado de Inovar-Auto, fracassou? Ele não atingiu o objetivo do governo porque, em vez de facilitar, dificultou a vinda de novas fábricas ao Brasil. Tanto a JAC quanto a Chery já haviam anunciado fábricas no país antes do Inovar-Auto e antes do aumento do IPI. Mas as novas empresas não vieram. BMW, Jaguar, Mercedes e Audi já estavam no Brasil como importadoras e iam fazer fábrica, com Inovar-Auto ou sem. Já outras marcas asiáticas, como a Wulling e a indiana Tata, não vieram e não vão vir tão cedo.
Por quê? Para montar uma operação em qualquer país, primeiro é preciso ver a aceitação do produto e testar o mercado como importador. Depois de testar, ocorre o investimento. Foi assim na década de 1990 com Toyota, Citroen, Honda, Peugeot, Renault e Nissan. A Citroen importou carros durante 10 anos e só então fez a fábrica. A Peugeot, durante 9 anos. A Toyota começou a importar em 1991 e só em 1999 construiu a fábrica. Todas elas ficaram cerca de uma década importando antes de construir. Hoje, com o Inovar-Auto, você não pode importar sem ter um projeto de fábrica. Ou seja, ele exige que uma empresa se case com o Brasil antes de namorá-lo. E essa não é a lógica para nenhuma empresa. Ninguém topa. O Brasil exige do empresário um cheque de 500 milhões de reais para a construção de uma fábrica sem que ele esteja familiarizado com o mercado brasileiro. Isso não faz sentido para ninguém.
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O que é pior para o setor: a exigência de instalação de fábrica ou as regras de conteúdo local? As regras que regulam o conteúdo local usado na fabricação dos carros, para que se consiga um desconto no IPI, são muito retrógradas. Não é papel do governo controlar se o farol do carro que estamos usando foi fabricado no Brasil, na China ou na Alemanha. A empresa tem de comprar o farol onde lhe for mais conveniente. Mas o governo vai além: quer saber se o espelho retrovisor e até mesmo o motor responsável por movimentar o espelho são fabricados no Brasil. Por isso decidiu criar o Inovar-Peças, para estimular a cadeia de suprimentos. Mas, como controlar esse tipo de detalhe é algo dificílimo, o projeto ainda não saiu do papel.
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E se houvesse mais concorrência? Seria a única forma de fazer com que os preços dos carros subissem menos que a inflação. Ou não subissem. A tendência, quando se é empresário num país fechado, é passar mais tempo em Brasília tentando defender seus interesses do que na fábrica tentando diminuir custo. E tem o custo Brasil, que piora o cenário. Levar um contêiner da fábrica da JAC de HengFeng para Shangai, na China, o que corresponde a uma distância de pouco mais de 500 quilômetros, custa cerca de 500 reais. No Brasil, transportar um contêiner de São Paulo ao Rio de Janeiro custa 1 900 reais. O nosso país está muito torto. Para compensar esse custo de logística, o dólar tinha que estar custando 8 reais.
A imagem do Brasil para o empresário estrangeiro está arranhada? Quando trouxe a JAC para o Brasil, a intenção era importar 30 mil carros por ano por três anos, para depois construir uma fábrica com capacidade para 100 mil carros. Minha esposa, que é mineira, me disse para tomar cuidado com a ousadia. Mas eu então pensei: há muitos anos não se muda a regra do jogo no Brasil. Fernando Henrique e Lula não mudaram. Sabe o que aconteceu? Ela tinha razão. O que é uma pena, pois mudar as regras do jogo no meio da partida, conforme o placar, espanta o empresário, que acaba não investindo mais nada. O espírito animal do empresário está na toca. Quem quer investir num país onde não se conhecem as regras do jogo, onde tudo é incerto? O pior é que esse sentimento é generalizado. Mudaram as regras no setor elétrico, automotivo, de infraestrutura. E depois reclamam que poucos se interessaram pelas privatizações. Numa escala mais ampla, isso trava o país.
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