O mito da exploração (II) – A função dos empreendedores
por LUCIANO ROLIM*
(para ler a primeira parte, clique aqui)
Talvez tenha restado um questionamento: se os críticos do livre-mercado estão equivocados em suas afirmações, então o que explica a origem dos lucros e das riquezas? Para esclarecer esse ponto, é necessário esclarecer a importância vital do empreendedor.
O conhecimento se encontra disperso pela sociedade, e o mesmo é válido para os mercados. Ninguém é onisciente e detêm toda a informação disponível. Ela se encontra “fragmentada” pelos inúmeros agentes do mercado. Os empreendedores bem-sucedidos são aqueles que descobrem novas oportunidades, criando riqueza e fazendo a economia prosperar.
Explicando melhor: na busca incessante pelo lucro, eles exploram possibilidades ainda inexploradas. O livre-mercado não leva a um equilíbrio estático, com um número fixo de ofertadores e consumidores. Ele é, na verdade, um processo, e está constantemente mudando e se modificando.
Digamos que um empresário decida abrir uma farmácia em uma cidade. Ele pensa em uma possibilidade, que pode ser acertada ou falsa: a de que há um potencial mercado consumidor de medicamentos. Talvez outras pessoas pensem isso também, mas não tiveram a iniciativa ou o capital necessário para empreender e criar uma farmácia.
Dessa maneira, o empreendedor está utilizando os seus recursos escassos naquilo que acredita que seja um bom investimento. Se ele obtiver sucesso e a farmácia prosperar, então ele aumentará a eficiência do mercado. Por eficiência, entende-se a satisfação dos agentes econômicos envolvidos nas trocas comerciais. Talvez a farmácia ofereça um atendimento melhor e mais organizado, ou então ela possua uma posição estratégica, de maneira que seus clientes mais próximos poupem tempo ao precisar se deslocar menos para comprar remédios. É possível que o chefe seja um sujeito enérgico e que consiga avaliar corretamente o cenário futuro, fazendo os investimentos e planejamentos corretos, ou ainda que certos programas de descontos e inovações de gerenciamento atraiam os consumidores que antes compravam nas empresas concorrentes. São inúmeras as maneiras pelas quais um negócio pode obter sucesso. De qualquer forma, a empresa somente prosperará se os clientes estiverem satisfeitos, do contrário eles não irão consumir os produtos da mesma, e consequentemente ela irá à falência.
Após o triunfo empresarial, os recursos estão sendo bem direcionados em atividades rentáveis, o que nunca teria acontecido se o empreendedor não tivesse arriscado. Os empregados são mais produtivos na farmácia do que trabalhando em outro local, se é que teriam um emprego. Os consumidores ficam mais satisfeitos do que se tivessem gastado o dinheiro em outro local. E, por fim, o empresário obtêm a justa recompensa (o lucro) por ter se “aventurado” e ter tido a ideia e a iniciativa de levar adiante o projeto de construção de uma farmácia, explorando um novo campo e uma nova possibilidade de negócio. Ele ficou rico, sim, não porque extorquiu riqueza, mas por ter criado riqueza (lembrando, novamente, que a economia não é um jogo de soma-zero).
Não é fácil ser empresário. É necessário que a pessoa esteja disposta a correr riscos. É preciso tentar prever o cenário futuro, para se projetarem os investimentos. Todavia, nunca se pode ter certeza do que vai acontecer. E se a demanda por remédios não for tão grande? E se a empresa der prejuízo, ou acabar surgindo um novo concorrente? Pode ocorrer uma diminuição do poder de compra ou do interesse do consumidor. O risco existente é muito maior do que as pessoas pensam.
Para termos uma ideia, aqui no Brasil, cerca de 22% das empresas vão à falência em dois anos de vida, e em se tratando de pequenos empreendimentos, esse indicador sobe para 30%. Mais de 80% das pequenas e médias empresas seguem o mesmo destino e vão à bancarrota em menos de 5 anos. Apenas 4% conseguem ultrapassar a chamada “barreira dos 10 anos” [1]. Em alguns países o risco é ainda maior. De todas as empresas criadas na Itália, no ano de 2005, apenas 68% sobreviveram aos dois anos seguintes. Na Nova Zelândia, esse indicador foi de 57%, e na Holanda, 50% [2].
Os bons investidores, que identificam as oportunidades certas e os melhores investimentos, lucram e enriquecem. Os empreendedores ruins, que gastam recursos em maus investimentos, acabam indo à falência. Certamente, o sistema de ganhos e perdas, além de dar a justa recompensa para o empresário mais capacitado e automaticamente eliminar aquele que é ineficiente, é um sistema muito melhor do que a planificação estatal, onde os prejuízos são sempre arcados pelos impostos extorquidos da população, e não pelos burocratas que fizeram maus negócios.
Muitos pensam, também, que os empresários não fazem nada. Isto é, só ficam “relaxando”, sem fazer nenhum esforço e esperando pelos lucros, enquanto os operários é que realizam o trabalho pesado. Na verdade, constantemente os empresários são colocados “na linha de fogo”. Ao determinar o futuro das empresas, eles sofrem pressão a quase todo momento, tomando decisões que, se mal acertadas, podem acarretar em consequências drásticas para o futuro da companhia e até para si mesmos. É necessário, constantemente, realizar novos planejamentos, procurar investidores e financiadores, coordenar o trabalho dos funcionários, tomar cuidado com a concorrência, pensar em novas maneiras de conquistar o mercado, inovar, baratear custos e agradar os clientes, tudo em um ambiente dominado pela incerteza em relação ao futuro. Não à toa, a maioria dos bilionários do mundo trabalha mais de 60 horas por semana [3]. Muitos empresários não tiram férias, quer por não terem tempo, quer por não confiarem os negócios à outra pessoa.
Em economias com um maior grau de intervencionismo estatal, como o Brasil, a dificuldade do empreendedorismo é ainda maior. A burocracia é gigantesca e as regulamentações da atividade comercial, inúmeras. O governo pode repentinamente aumentar os impostos de um produto, alterar o câmbio e as taxas de juro ou criar mais uma regra estapafúrdia. Por causa disso, os riscos, as incertezas e as dificuldades aumentam ainda mais. Um empresário bem-sucedido, ao lidar tanto com os problemas inerentes a um investimento quanto com os problemas criados pelos governos, acaba realizando uma tarefa hercúlea.
É interessante como a teoria da exploração não explica porque algumas empresas crescem tanto e se tornam megacorporações, enquanto outras acabam indo à falência em pouco tempo. Afinal de contas, por que alguns exploradores adquirem enormes fortunas, enquanto outros quebram? Por acaso alguns exploram mais do que outros? Isso é contraditório com a ideia de que todos eles só querem explorar ao máximo.
O motivo pelo qual alguns indivíduos enriquecem tanto no livre-mercado, é justamente pelo fato de eles terem tido a ideia, a iniciativa e o empenho de explorar novas possibilidades comerciais ainda não exploradas anteriormente. Ao fazer isso, eles criam uma quantidade enorme de riqueza e aumentam a prosperidade da sociedade. As ideias e oportunidades valiosas e bem aproveitadas é que são a chave de tudo. E, como disse Thomas Edison:
“Do pescoço para baixo, um homem vale alguns dólares por dia; do pescoço para cima, vale qualquer coisa que seu cérebro puder produzir.” [4]
Peguemos o caso do inglês Josiah Wedgwood. Nascido em 1730, ele começou a trabalhar como ceramista aos 11 anos de idade, em uma época em que os países europeus importavam da China a maior parte da sua cerâmica. Apesar da porcelana chinesa ser de excelente qualidade, ela era extremamente cara. Somente os ricos podiam desfrutar de tal luxo, enquanto não havia produtos de qualidade com preços atraentes e acessíveis para as grandes massas, como potes, vasos, pratos, xícaras, etc.
Quando seu pai morreu, Wedgwood recebeu uma herança de vinte libras. Aos 29 anos de idade, ele decidiu abrir o seu próprio negócio. Ele aplicou diversos métodos de produção e distribuição, que, naquela época, eram inovações incríveis: uso do motor a vapor na sua fábrica, mecanização do processo de modelagem dos potes, divisão e especialização do trabalho entre seus funcionários, busca contínua e incessante por melhora na qualidade dos produtos, pesquisa para a descoberta de novos materiais, pontualidade e horas-fixas na jornada de trabalho, limpeza e segurança na linha de montagem, uso de catálogos e entregas gratuitas para seus clientes, criação de um vínculo entre as comunidades científica e artística, receptividade às sugestões dos consumidores, terceirização dos serviços, construção de estradas, canais e portos para escoar a produção, produção em massa e para as massas, produção flexível para atender a demanda do mercado, pesquisa industrial colaborativa com outras empresas, largo uso de marketing, e até mesmo uma busca por matérias-primas de maior qualidade e de vários lugares do mundo – o que resultou, por exemplo, em alianças comerciais com os chineses, os índios Cherokee na América e os colonos ingleses na Austrália.
A produção de cerâmica enfrentava um desafio, que era a medição das altas temperaturas nos fornos durante o processo de produção. Como prova de sua inventividade, Josiah inventou o termômetro em 1783 – mais tarde, seria nomeado membro da Sociedade Real por esse feito.
Weedgwood acabou construindo um verdadeiro império. Seus produtos conquistaram não apenas a Inglaterra, mas também o resto do mundo: em dado momento, 80% da sua produção passou a ser exportada. A pequena quantidade de dinheiro que ele recebeu da herança do seu pai se transformou em uma fortuna de meio milhão de libras, equivalente, hoje, a dezenas de milhões de dólares.
Ninguém se atreveria a dizer que ele enriqueceu explorando os outros. Todas as trocas comerciais que ele fez eram voluntárias, e ele nunca fez uso da coerção ou de favorecimentos com o governo. Seus funcionários recebiam salários bem mais altos que a média local, além de terem treinamentos constantes para o aperfeiçoamento e desenvolvimento de suas habilidades. Josiah não poupou custos com a segurança do local de trabalho, e seus empregados tinham uma excelente alimentação, moradia e saúde para aquela época [5].
Quanto aos consumidores, a produção inglesa de cerâmica passou de rudimentar para a mais próspera do mundo. Pela primeira vez, as grandes massas passaram a ter acesso a produtos de cerâmica baratos e de qualidade. O que era luxo virou uma necessidade. Fica claro, portanto, que a fortuna de Weedgwood foi proveniente da sua grande inovação e engenhosidade, que resultaram no aumento da produtividade, da prosperidade e da geração da riqueza – e não da exploração, pois se fosse por isso, qualquer outro ceramista teria enriquecido que nem ele.
Muitos inventores, que trouxeram benefícios inestimáveis para a humanidade, também enriqueceram muito, recebendo a justa recompensa pela utilidade de seus produtos. Dois exemplos são James Watt, que proporcionou o pontapé da Revolução Industrial ao criar o motor a vapor, e Thomas Edson, que patenteou mais de 2000 invenções, como o fonógrafo, a lâmpada elétrica, o gramofone e o cinematógrafo, fundando a General Eletric, até hoje uma das maiores empresas do mundo no ramo de serviços e tecnologia.
Por volta da época de Edson, temos os exemplos de grandes industriais e empresários dos EUA, com grande faro para os negócios, como John Rockfeller, Andrew Carnegie, Thomas Vanderbilt e Henry Ford. Todos eles estão entre os 10 homens mais ricos da história. Como eles chegaram nessa posição? Rockfeller dominou o mercado da extração, refino e distribuição do petróleo, pois com métodos inovadores fez despencar o preço do barril. Carnegie teve um papel crucial no desenvolvimento industrial americano, ao produzir aço barato e em grande quantidade. Vanderbilt fez fortuna apostando com sucesso em investimentos nos transportes marítimo e ferroviário. Henry Ford, com seus métodos de produção inovadores, foi o primeiro a produzir carros baratos, em massa e para as massas. Todos eles aumentaram a eficiência do mercado e a riqueza da sociedade.
No Brasil, nosso maior exemplo de “self made men” é Irineu Evangelista de Sousa, mais conhecido como Barão de Mauá. Na segunda metade do século 19, numa época em que a economia brasileira era quase que totalmente voltada para a produção agrícola, ele construiu a primeira ferrovia do país, a primeira fundição de ferro, o primeiro Banco do Brasil e o primeiro estaleiro, além de ter instaurado um cabo telegráfico entre a América do Sul e a Europa, e ter promovido a iluminação pública à gás na cidade do Rio de Janeiro. Mauá ficou tão rico, que em dado momento chegou a ter mais dinheiro do que o próprio império. Porém, diferentemente do governo, ele criou sua riqueza, ao invés de extorqui-la de outrem.
Em 1962, Sam Walton e seu irmão abriram uma loja no Arkansas. A princípio seria apenas uma loja como qualquer outra, porém ela tinha diferenças importantes em relação às outras: programas de descontos, preços baixos, auto serviço, simplicidade e um lema: “O cliente é sempre o número 1!”. Como consequência, ela fez um enorme sucesso, e passou a crescer exponencialmente. Dois anos depois, a franquia já contava com 24 lojas e um faturamento de milhões de dólares. O nome da rede: Wal-Mart.
Hoje, a família Walton é a mais rica do mundo, e, assim como outros magnatas, não por causa da exploração, mas por causa da inovação e aumento da satisfação dos clientes. Do contrário, qualquer dono de uma loja de departamentos ficaria rico que nem Walton. Durante os anos 90, 1/8 do aumento da produtividade da economia dos Estados Unidos foi graças à empresa. E isso que estamos falando da maior economia do mundo. Em 2004, os estadunidenses economizaram 100 bilhões de dólares apenas por causa dos produtos baratos vendidos pelo Wal-Mart [6].
Eu poderia preencher inúmeras páginas com as histórias de grandes empresários que enriqueceram oferecendo bens e serviços úteis para a sociedade, como Sergey Bin e Larry Page, Bill Gates, Steve Jobs, Michael Dell, Jeff Bezos, Liliane Bettencourt, Soichiro Honda e Mark Zuckerberg, fundadores, respectivamente, do Google, da Microsoft, da Apple, da Dell, da Amazon, da L’Oréal, da Honda e do Facebook. É difícil estimar a contribuição econômica resultante da criatividade e das ideias desses indivíduos. Para termos uma ideia, um estudo estima que o Facebook aumentou o valor da economia mundial em mais de 200 bilhões de dólares, além de ter gerado, indiretamente, mais de 4 milhões de empregos [7]. Basicamente, todos os bilionários que eu citei foram recompensados por terem explorado novas possibilidades de comércio. Como disse o economista Thomas Showell:
“Para muitas pessoas, até hoje, lucros elevados são frequentemente atribuídos aos altos preços cobrados por aqueles motivados pela “ganância”. Na realidade, a maioria das grandes fortunas americanas resultaram de descobertas voltadas à redução de custos, possibilitando a cobrança de preços mais baixos e, portanto, garantindo um mercado de massa para o produto. Henry Ford fez isso com automóveis, Rockefeller com óleo, Carnegie com aço e Sears, Penney, Walton e outros fundadores de lojas de departamento com uma variedade de outros produtos.”
Algum crítico do livre-mercado talvez pense: “Mas você está dando o crédito apenas para os empresários. Mas e quanto aos inúmeros funcionários, usineiros, mineiros, cientistas, técnicos, faxineiros, obreiros, administradores, atendentes e outros tantos empregados que trabalharam e ajudaram a construir essas empresas? Eles não foram explorados, uma vez que não ficaram com uma parte dos grandes lucros?”. Pois bem, uma coisa é a pessoa realizar um trabalho que outras tantas realizam. Outra, é ela ter uma ideia que possa aumentar enormemente a eficiência do mercado. Como disse o economista George Reisman:
“Ao contrário do que diz a teoria da exploração, e ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, os assalariados que os supostos exploradores capitalistas empregam não são os produtores principais dos produtos manufaturados por uma empresa. Assim como Cristóvão Colombo foi o descobridor da América, e não os marujos que tripulavam os navios e que foram seus auxiliares na realização de seus (de Colombo) planos e projetos, os capitalistas é que são os produtores principais dos produtos produzidos por suas empresas.” [8]
Todavia, o mercado vai muito além de grandes empresários. Existem outros inúmeros pequenos e médios empreendedores, que são heróis anônimos, se arriscando e, em caso de sucesso comercial, contribuindo para a prosperidade da sociedade. Isso inclui o dono do bar, o cabelereiro, o proprietário de um armazém, o chefe de uma loja de tintas, o vendedor de rua, o possuidor de um restaurante, todos eles, assim como os grandes empresários, trabalhando em busca do lucro, e não o obtendo a não ser oferecendo valor para a sociedade por meio de trocas voluntárias de bens e serviços que sejam mutuamente benéficas.
O mal governo é aquele que sufoca a atividade empresarial. E a sociedade condenada ao fracasso é aquela que odeia os empresários e que menospreza a busca pelo lucro. A grande melhoria do padrão de vida da civilização humana nos últimos séculos se deveu, em sua maior parte, à atividade, determinação, engenhosidade, habilidade, confiança, esforço, visão, orgulho e ganância dos empreendedores.
Referências:
[1] – Dados do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequena Empresas).
[2] – Idem.
[3] – http://economia.terra.com.br/maioria-de-bilionarios-trabalha-60-horas-ou-mais-por-semana,1ba0982e49ac7410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html
[4] – Mark Dogson e David Gann, Inovação, L&PM Pocket, 2014, página 100.
[5] – Mark Dogson e David Gann, página 20
[6] – “O poderoso Wal-Mart”, disponível em: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/848/noticias/o-poderoso-wal-mart-m0079996
[7] – http://www.infomoney.com.br/negocios/grandes-empresas/noticia/3817194/facebook-injeta-bilhoes-economia-brasileira-gera-231-mil-empregos
[8] – http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1368
*Luciano Rolim é escritor e estudante de ensino médio.