UFC: o Monopólio natural no MMA
Bourdin Burke*
Quando um determinado produto ou serviço é confundido com sua principal marca fornecedora, como já vimos ocorrer com esponjas de aço e geladeiras, é porque um contingente muito grande de consumidores foi beneficiado por ela, a tal ponto que a maioria deles sequer considera a hipótese de apelar para a concorrência (ou mesmo lembra que existem opções). Afinal, conforme pressupõe a teoria da utilidade marginal, a valoração de qualquer bem parte do agente de mercado (o indivíduo) em uma compilação de utilidade (a importância subjetiva que o indivíduo atribui ao bem) e sua escassez no mercado. Portanto, a princípio, uma empresa que logra mesclar sua marca ao próprio conceito do bem fornecido agradou muito seus clientes, mormente com a relação custo-benefício que a eles ofereceu. E com o Ultimate Fighting Championship (UFC), o evento de lutas que caiu definitivamente no gosto dos brasileiros há cerca de cinco anos, não foi diferente.
Aliás, como todo monopólio natural, seus administradores enfrentaram críticas severas devido à larga fatia do mercado que ocupam, mas tais vozes vêm gradativamente definhando e admitindo o sucesso do verdadeiro show proporcionado pelos irmãos Fertitta.
A liga presidida desde 2002 pelo ex-agente de lutadores de boxe Dana White revolucionou a indústria esportiva, partindo de uma modalidade de luta que, literalmente, não existia, para uma franquia avaliada em U$4 bilhões, superando, inclusive, os números do tradicionalíssimo Boxe. É quase automático associar a imagem do próprio esporte (Mistura de Artes Marciais – MMA) ao UFC, como se ambos fossem uma coisa só.
Todavia, essa história de sucesso, como quase todas as outras, é pontuada por momentos sombrios, em que tudo levava a crer que o torneio que mais parecia um filme do Van Damme fosse ser até mesmo proibido. E compreender por que o UFC hoje domina tão amplamente esse segmento ajuda a entender porque o Estado não deve preocupar-se com a formação de monopólios – aliás, já seria de grande valia se ele mesmo não formasse monopólios artificiais, por meio de regulações direcionadas a determinados empresários.
A história do UFC tem início com uma viagem do brasileiro Rorion Gracie aos Estados Unidos, onde ele não apenas cria o evento juntamente com sócios americanos, como também inventa o ringue de oito cantos (octagon) e dá o pontapé inicial, em 1993, ao “vale-tudo” profissional, como era conhecido na época (No Rules Fighting). Tudo ia muito bem nos primeiros anos, mas o problema era que, do ponto de vista comercial, as lutas começaram a ficar desinteressantes: não eram divididas em rounds, não havia limite de tempo, não havia categorias por peso, golpes toscos aconteciam (como puxadas de cabelo), e havia clamor popular pela proibição do luta, devido à selvageria (intencional) de alguns confrontos. Entrementes, como não havia barreiras à entrada de outros investidores na atividade econômica, outras ligas começaram a ser formadas, onde se destacou a japonesa Pride, a qual arrebanhou, inclusive, diversos lutadores do UFC – e junto, claro, milhões de seus fãs.
Tudo levava a crer que, como deve ocorrer em um livre mercado, a liga americana ou iria falir, ou seria comprada, antes da falência, por um de seus concorrentes mais eficientes. Mas eis que ocorre o tipping point: o brasileiro, resistente em promover mudanças que visavam tornar mais rentáveis os eventos (possibilitando pagamento de maiores bolsas aos lutadores e reinvestimento em marketing e estrutura), vendeu sua participação no negócio, e abriu espaço para que Dana White passasse a gerir com mais profissionalismo a franquia.
A partir de então, inicia-se uma nova fase para o UFC, com o nível das lutas melhorando substancialmente e com o advento do “circo” da liga, quando o evento torna-se internacional e passa a montar seu palco em quase todos os continentes. Um divisor de águas é a grande sacada da organização em 2005 que, aproveitando a onda de reality shows que tomava conta dos Estados Unidos, criou o The Ultimate Fighter, show de TV que colocava em uma mesma casa lutadores amadores que lutavam (de verdade) por um contrato com o UFC. O público americano que sequer era aficionado por esportes fez o MMA bater picos de audiência inimagináveis, e, claro, permitiu uma inédita capitalização da liga. Resultado: ocorre exatamente o oposto do que se esperava, quando, em 2007, Dana White compra os direitos de realização do Pride, e extingue o evento japonês, absorvendo todos os seus principais lutadores.
O mesmo ocorre quando o UFC, nos anos seguintes, adquire e conglomera outros dois eventos americanos que despontavam na cena da luta: o WEC (do brasileiro José Aldo) e o Strikeforce (do lutador Pezão). Ali ficava clara a força econômica da liga dos irmãos Fertitta, e foi então que as críticas se intensificaram: como ficariam os fãs que preferiam assistir as ligas que foram compradas? Seriam obrigados a assistir ao monopolista UFC? Dono de tal condição, os preços do pay-per-view iriam disparar? A falta de concorrência faria o nível das lutas cair?
Quem arguiu tais questões não entendeu nada das lições mais comezinhas de economia: os lutadores do UFC transformaram-se em superstars (com direito a contratos de cifras astronômicas, com participação nos lucros e cotas de PPV); a organização passou a realizar até mesmo três eventos por semana, em diferentes lugares do mundo; o número de lutadores e demais funcionários contratados quase triplicou; a integridade física dos atletas passou a ser privilegiada como nunca; os preços dos ingressos ficaram, de fato, altos (devido à alta procura), mas costumam esgotar em menos de meia hora; e a assinatura do canal que transmite o UFC custa em torno de R$70 – dez reais a menos do que custa a assinatura dos jogos do campeonato brasileiro. Além disso, diversas cidades do globo desejam muito receber edições do evento, que costumam atrair muito dinheiro na semana de sua realização e lotar a rede hoteleira.
Mas por que o UFC não abusou de seu direito de “monopolista”? Eu me arrisco a responder: porque tem consciência de que ninguém coloca uma arma na cabeça do consumidor e o obriga a comprar nada. É muito fácil para os fãs do esporte simplesmente pararem de assistir às lutas e procurarem alternativas de entretenimento (as quais existem aos borbotões), motivo pelo qual a busca por agradá-los é constante – normalmente, um lutador que perde três contendas seguidas é desligado temporariamente da liga, acirrando a disputa e aumentado a qualidade das apresentações.
Além disso, ainda existem ligas menores tanto na América quanto em outros países (tais como o Bellator e o Jungle Fight), os quais funcionam como um contraponto ao poderoso UFC, tal como os mercadinhos de bairro estão para as grandes redes de supermercado: existe uma clientela específica para ambos, as quais buscam nutrir expectativas diferentes (enquanto uns preferem estabelecimentos próximos e encontrar produtos da região a preços mais altos, outros se dispõem a rodar até mais longe e adquirir produtos mais baratos e comprados pelo comerciante em larga escala), e as mesmas pessoas, em momentos diferentes, podem optar por um ou outro. Ou seja, ninguém é obrigado a assistir ao UFC, e caso prefira pagar menos e assistir a eventos ao vivo com frequência (embora com lutas, em tese, de menor qualidade), assim pode fazê-lo.
Outra censura que costuma ser feita ao UFC é que seus dirigentes costumam exigir contratos com cláusula de exclusividade, ou seja, o lutador não pode lutar em outras organizações enquanto a relação jurídica entre ambos estiver vigendo. Bom, os atletas parecem não se importar muito com tal condição, pois batalham arduamente por uma vaga na liga. Vai ver que, ainda assim, vale (e muito) a pena.
Outro benefício desta concentração de mercado nas mãos da mesma liga esportiva: se todos os lutadores de alto nível estão atrás da mesma cortina, então a probabilidade de eles lutarem entre si é cada vez maior. É só lembrar como o boxe quase perdeu a oportunidade de realizar o duelo entre Manny Pacquiao e Floyd Mayweather – tudo porque os dois haviam firmado contratos com emissoras diferentes.
Recentemente, porém, vem sendo travada uma disputa judicial nos tribunais dos EUA entre atletas que já saíram do evento e sua organização, por suposta infração a leis antitruste daquele país. Acredito que seria bem mais produtivo se tais reclamantes, em vez de espernearem, fizessem como o lutador aposentado Wallid Ismail, o qual, tão logo pendurou as luvas, criou a maior liga de MMA da América Latina – gerando empregos e riqueza.
A luta (com o perdão do trocadilho) por este nicho de mercado, durante os últimos 23 anos, seguiu todas as regras do livre mercado e beneficiou especialmente aqueles que consomem o valor gerado pelo UFC (entretenimento). Dana White e os irmãos Fertitta não precisaram de intervenção estatal que lhes beneficiasse em sua jornada, evitando a concorrência. Ao contrário: o Estado de Nova York, contrariando a vontade da maioria de sua população, é um dos três nos Estados Unidos que não permite a realização de eventos de MMA. Até mesmo cidades do interior de SC e de SP já foram agraciadas com os anúncios inolvidáveis de Bruce Buffer. Não é possível que os Nova-iorquinos sejam “protegidos” desse esporte para sempre.
Em uma analogia com a nossa desprezada CBF, levanto a seguinte questão: existem barreiras legais ou estruturais à criação de novas ligas de clubes de futebol no Brasil? Certamente não, e justamente por isso vários clubes insatisfeitos estão tentando organizar a chamada “Primeira Liga”, que já teve sua primeira edição em 2016, e em 2017 já contará com mais participantes e datas reservadas. Se a CBF cumprir sua promessa e punir os clubes que desertarem, provavelmente ficará a ver navios. Ou não. E, nesse último caso, nenhum dirigente de clube de futebol poderá voltar a reclamar de supostos favorecimentos por parte da entidade máxima brasileira. Simples assim: não gostou, faz o seu. Ou não reclama.
Um último aviso aos “altruístas” que consideram esportes de luta uma pancadaria, que deveria ser proibida: a maioria dos lutadores é oriunda de famílias de baixa renda, e encontram na luta a ponte para uma vida de sucesso. E se eles submetem-se ao risco de serem atingidos com golpes até mesmos mortais por livre e espontânea vontade (sendo muito bem remunerados para isso), não cabe ao Estado impedi-los, ou então deveríamos proibir, pelos mesmos motivos, o paraquedismo, o alpinismo, a Fórmula 1, e muitos outras modalidades. Os fãs de MMA agradecem, mas dispensam tal “proteção” estatal.