O país dos “monstros que odeiam nordestinos” e o purgatório brasileiro

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odioMatUm. Em sua coluna no Jornal O Globo, Panorama Político, o jornalista Ilimar Franco registrou – o que é um ponto a seu favor – um fato relevante que muitos, sem juízo de valor sobre a figura em questão, poderiam preferir abafar: o polêmico Jair Bolsonaro, deputado pelo PP-RJ, aparece, na pesquisa MDA de intenções de voto para a presidência da República (caso houvesse eleições hoje), com cerca de 5 % da preferência. Ilimar afirma que “dirigente de partido de oposição diz que os cerca de 5% podem decidir 2018”, relembrando que o pleito de 2014 “foi decidido por 3,2 % de votos”. Até aí, nada além da verdade. Porém, Ilimar acrescentou comentários sobre os movimentos populares de rua que convocaram as manifestações de 15 de março e 12 de abril, e, agora, as de 16 de agosto próximo, associando-os ao apelo popular conseguido por uma eventual “candidatura Bolsonaro”. Mencionou diretamente o Movimento Brasil Livre, o Revoltados Online e o S.O.S. Forças Armadas (todos diferentes entre si, este último sem qualquer ligação com as mobilizações dos dois primeiros). Para Franco, “todas essas organizações vão às ruas atacando as cotas, os nordestinos, os sem-teto e alguns usam símbolos como a suástica nazista”.

Dois. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – segundo fonte não revelada pela revista Veja, prestes a ser alvo de delação de Léo Pinheiro, executivo da empreiteira OAS, detalhando seu envolvimento com o petrolão -, no último dia 24, fez um pronunciamento na posse da diretoria do Sindicato dos Bancários do ABC, em Santo André. Tinha uma oportunidade de mostrar o pingo de grandeza que jamais possuiu. Desperdiçou. Em seu discurso, Lula despejou uma enxurrada de clichês paranoicos, alegando estar “cansado de agressões à primeira mulher que governa este país”, “com o tipo de perseguição e criminalização que tentam fazer à esquerda deste país” e, corroborando o vídeo vergonhoso que algum petista espalhou pela Internet, afirmou que o acirramento da oposição no Brasil “parece os nazistas criminalizando o povo judeu e romanos criminalizando os cristãos”. Para Lula, o suposto “martírio” que a esquerda – ou, mais precisamente e corretamente, o lulopetismo – sofre no país seria comparável a essas situações extremas, de pessoas morrendo empilhadas em campos de concentração, ou mártires se entregando à morte nas galerias da Antiguidade.

Três. O humorístico Zorra Total, da Rede Globo, a mesma que, ao tempo de Roberto Marinho, se associou explicitamente ao regime militar brasileiro, ironizou os chamados “coxinhas” – para quem não sabe, um termo pejorativo associado a toda postura política que confronte a esquerda, isto é, a “direita”, ou pelo menos aquilo que “eles” considerem como sendo “direita”, o que englobaria até mesmo os sociais democratas do PSDB. Em um quadro do programa, parodiando os eventos musicais durante o regime iniciado em 1964 em que artistas como Chico Buarque – petista e amante da ditadura dos irmãos Castro em Cuba – exibiam canções de protesto, os humoristas da Globo simularam um show para apoiadores da “volta da ditadura”. Sobraram menções afobadas aos chamados “rolezinhos”, insultos a todos que são contra a esquerda como sendo “gente que odeia a emancipação da classe C”, ofensas às Forças Armadas e à Polícia Militar.

O que esses três fatos têm em comum? São manifestações emblemáticas, em um curtíssimo intervalo de tempo, do desapreço, disseminado entre as esquerdas – em destaque, aqui, os seus setores mais objetivamente associados ao esquema de poder lulopetista –, pela democracia legítima e pela divergência; consequentemente, seu desrespeito a qualquer forma de oposição, necessária e encorajada pelos princípios fundamentais que embasam a democracia liberal. Para Ilimar Franco, Lula e a equipe do Zorra Total – isto é, um jornalista, uma liderança política e um grupo que coordena um produto “cultural”, um programa de  TV em uma emissora de massa -, toda a oposição recém-desperta ao modelo esquerdista de organização social e percepção da política no Brasil, que aspira ares mais liberais e culturalmente mais sãos, é nada mais, nada menos que a reação de grupos “semelhantes a nazistas” que odeiam pobres e nordestinos e nutrem sonhos golpistas pela implantação de uma ditadura militar (como a cubana, diga-se de passagem, que os mesmos adoram ajudar a sustentar). Os quase 63 % que apoiariam o impeachment da presidente Dilma Rousseff, segundo a mesma pesquisa MDA, e os quase 80 % que desaprovam o governo, são todos filhotes de Hitler ou Himmler.

É inadmissível que a população e a oposição organizada tolerem essas ofensas espúrias sem apresentar a merecida resposta. A despeito de todas essas agressões grosseiras e os ataques despudorados empreendidos durante a campanha eleitoral contra as gestões do PSDB, com Fernando Henrique, no governo federal, anunciou-se na mídia uma tentativa de Lula – ou o “Brahma” – de fazer uma conversa “às escuras” com  próprio FHC para tentar acalmar o ambiente político e evitar o impeachment. Felizmente, o ex-presidente tucano respondeu nas redes sociais que “o momento não é para a busca de aproximações com o governo, mas sim com o povo. Qualquer conversa não pública com o governo pareceria conchavo na tentativa de salvar o que não deve ser salvo”. Qualquer reação diferente dessa seria vista – merecidamente – como covardia e traição ao eleitorado do partido de FHC, eleitorado que, em sua maioria, sequer é tucano e social democrata, como reza a ideologia oficial da legenda, mas não tem tido outra opção expressiva para tentar combater o domínio do PT. Seria mais um gesto suicida e imperdoável do PSDB, ainda bem que não realizado.

Compreendemos que parte da imprensa e da opinião pública deseje ver o cenário político mais pacificado, a fim de que consigamos implementar as reformas necessárias para sanear nossa economia. Infelizmente, não se conseguirá fazer o que é preciso sem derrubar o esquema de poder estabelecido, e não se obterá o ambiente saudável por que se anseia sem fazer uma necessária purga da “imundície cleptocrática” que se entranhou nas instituições – sem a ilusão de que esse processo culminará com o fim de todo e qualquer tipo de corrupção e problema do Brasil, mas com a perspectiva de que ele fará cessar um período particularmente sombrio e garantirá ao menos a preservação do que ainda conservamos de liberdade e democracia. O PT deve cair. Dilma deve cair. A Lava Jato deve continuar. Temos que pagar o preço por mais de uma década de irresponsabilidades e péssimas escolhas, e sofrer as consequências disso; este talvez seja um inevitável processo pedagógico, pela via da dor.

 

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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