O PSDB afundará com o PT?
A intensidade dos acontecimentos que levaram o país à crise atual, notadamente na área política, econômica e moral, puxa o foco da mídia para as entranhas do governo Dilma e para a operação Lava Jato. E, quando o povo é protagonista dos fatos, para as manifestações de rua que, simbólicas pelo impacto que causam na opinião pública, ou expressivas pela grande participação da cidadania, empurram para a frente a agenda das mudanças.
Em política usa-se a expressão “o governo joga com as brancas” em alusão às regras do xadrez segundo as quais o primeiro movimento no tabuleiro é de quem joga com as peças brancas. Sob circunstâncias normais o padrão do jogo é o de que o governo paute a agenda e provoque reações da oposição ou de agentes sociais e grupos de interesse.
Essa relação de forças somente se inverte em situações de crise nas quais os fatos oferecem à oposição a possibilidade de tomar as iniciativas e forçar o governo a reagir. A situação do Brasil no momento é dessas. Seria de se esperar, então, que o principal protagonista da oposição fosse o PSDB. Afinal, os tucanos governaram o país por dois mandatos consecutivos, tendo o PT como principal opositor, e, quando o PT passou ao governo, foram os candidatos do PSDB os principais adversários de Lula e Dilma nas eleições que se sucederam.
Mas, ao olhar-se para os principais acontecimentos políticos nacionais, quem vemos como os principais criadores de problemas para o governo do PT?
Em primeiro lugar o povo nas ruas, mobilizado pela insatisfação com a crise econômica, política e moral que assola o país sob o patrocínio de Lula. Em segundo lugar, as centenas, talvez milhares, de cidadãos autônomos que se organizam (ou não) em grupos de ação política nas mídias sociais e nas ruas, gerando fatos que forçam os partidos e lideranças políticas tradicionais a terem esse elemento em conta ao fazerem suas escolhas.
Em terceiro lugar, o PMDB que, não obstante fazer parte do governo petista, dá verdadeiras aulas de esperteza, dribles, rasteiras e bailes de política em todos os demais players, inclusive, e especialmente, em Lula.
Em quarto lugar, o próprio PT. Isto é, suas lutas internas que trazem à luz as guerras de poder pelo controle do governo moribundo de Dilma e pelo espólio do petismo. Nesse ambiente, Lula movimenta-se erraticamente, ora criticando Dilma para salvar sua imagem do desastre que criou, ora tentando salvar seu acesso às instrumentalidades que o poder disponibiliza para quem precisa salvar-se da cadeia, melar a Lava Jato, influenciar julgamentos no STF e comprar difíceis apoios na bacia das almas, a um preço cada vez mais impagável.
Sim, não nos iludamos como fizeram os editoriais do Estadão, acreditando que Lula está louco para largar o osso e voltar à oposição, deixando ao sucessor de Dilma a responsabilidade por consertar seus estragos. Lula pode até sonhar com isso. Mas, não pode se dar a esse luxo. Se o PT perder o governo, seu poder de compra no mercado de pixulecos se esvairá de forma mais intensa e rápida do que o preço das ações da Petrobrás.
Ao observador atento não terá passado desapercebido que, nas duas últimas oportunidades em que Dilma ganhou algum fôlego para protelar seu fim inevitável, foi por obra de Lula, que foi às compras para consertar os estragos de Mercadante na articulação política do governo. O primeiro movimento foi o acordo com Renan Calheiros, chefe da Casa onde o impeachment será votado. O segundo, mais recente, foi a tentativa de dar ao PMDB (e ao PDT) mais ministérios, de forma a barrar a formação do quórum pró-impeachment da Câmara dos Deputados.
O esquartejamento da Lava Jato e o anúncio desse acordo causaram comoção nos grupos autônomos que debatem, trocam informações e organizam as ações políticas que impulsionaram as três últimas grandes manifestações de rua contra o PT. Sem conhecimento teórico, sem malícia e nem experiência, os mais precipitados anunciaram estar jogando a toalha e desistindo da luta.
Em menos de 24 horas o cenário mudou da água para o vinho. Eduardo Cunha (PMDB/RJ), que muitos imaginavam comprado, pautou o impeachment na Câmara dos Deputados. Logo após Fernando Collor de Mello (PTB/AL), o maior especialista vivo em impeachment no país, concede entrevista a Fernando Rodrigues (UOL), afirmando que, depois de instaurado, o processo torna-se irreversível devido à impossibilidade de controlarem-se as pressões das ruas.
Em seguida, o PMDB leva ao ar um programa em rede nacional de TV, no qual se apresenta como alternativa de poder em condições de substituir o estrelismo reinante. Movimento seguinte, líderes do baixo clero peemedebista recuam do acordo supostamente firmado com Lula, anunciando que não abririam mão dos ministérios da Saúde e Infraestrutura que lhes teriam sido oferecidos, ante anunciadas reações do petismo diante da possibilidade de perderem as tetas da Saúde, até o momento, muito sugadas, mas pouco alcançadas pela Lava Jato.
Coincidência ou não, o presidente do TCU anuncia que as pedaladas fiscais deverão ser rejeitadas na segunda quinzena de outubro, num movimento que exala cheiro de sincronismo com a agenda de Eduardo Cunha (PMDB/RJ) para a tramitação do impeachment na Câmara e com a Convenção Nacional do PMDB, agendada para 15 de novembro, data em que se comemora a proclamação da República. Evento que, como se sabe, terminou com o Império na história do Brasil.
O leitor atento terá percebido que acabo de escrever onze parágrafos sobre os principais acontecimentos da cena política nacional recente e, em nenhum deles, o PSDB e seus líderes foram citados como protagonistas. Pelo contrário, o que se vê é o ex-presidente FHC resistindo ao impeachment sob alegação de trauma nacional (para quem?) e falando frases de efeito para as manchetes como quem imagina que não sabemos que em política valem as atitudes e não a retórica.
Falando em atitudes, o ex-candidato Aécio Neves anda providencialmente calado e submerso, não sem antes protagonizar solenes ambiguidades retóricas e notadas ausências nas manifestações de rua em que 100% dos seus ex-eleitores pediam sua adesão militante.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tido como líder conservador do PSDB, e, portanto, capaz de angariar simpatias, é flagrado protagonizando cenas de personalismo explícito em favor de seu interesse em derrubar Aécio da posição de presidenciável, ao contestar o impeachment contra a absoluta e majoritária vontade das ruas.
O senador Álvaro Dias (PSDB/PR), por seu turno, foi flagrado apoiando explícita e veementemente a nomeação de um advogado do MST para o STF, e o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP), sendo arrastado para dentro da Lava Jato.
A cúpula do PSDB não deve saber, mas em vários desses grupos que mobilizam a cidadania nas mídias sociais e nas ruas formando as redes de influência que levaram milhões às três grandes manifestações de março, abril e agosto, há membros da base do PSDB e outros partidos, que são natural e democraticamente aceitos como parceiros pelos milhares de indivíduos sem partido que saíram da zona do conforto para mudar o país e varrer o petismo do poder.
Os tucanos de alta plumagem não percebem, mas a corrosão da imagem do PSDB junto a esse público líder das opiniões mobilizadas é enorme. Como participante de vários desses grupos, testemunhei as cobranças e constrangimentos que os tucanos sofrem dos demais; li cartas de desfiliação do PSDB endereçadas à direção partidária e publicadas nos grupos virtuais e perfis pessoais dessas pessoas; testemunhei militantes tucanos ativos nas ruas questionando-se: “por que FHC não cala a boca???” “Porque Aécio não fala e não age?” “Será que estão com o rabo preso?”
As placas tectônicas da política brasileira estão se movendo. A estrutura da polarização PSDB versus PT está em vias de desaparecer devido à perda de poder, força e tamanho do PT. E ao desgaste da imagem do PSDB, em função dos fatos aqui referidos. A esquerda levará tempo para se reagrupar sob outras lideranças e se constituir em polo de poder após a falência do PT. A estratégia do PMDB é de nítida tomada do poder e a agenda que o os peemedebistas têm acenado é conservadora nos valores morais e liberal na condução da economia.
O PSDB, que protagonizou a criação do Plano Real e poderia articular alguns dos melhores economistas do país em torno da agenda da mudança, está perdendo uma oportunidade que não se oferecerá novamente. Esse Congresso já deu sobrados sinais de que não vai entregar saídas para esse governo. O PMDB vai tomar o poder. Não há saídas com Dilma. Só há saídas com o PT fora do poder.
Quando o impeachment de Collor emergiu, a geração de líderes caras pintadas que assumiu o poder no país nos anos seguintes, e se corrompeu, já estava dentro dos partidos tradicionais. Naquela oportunidade não houve nenhum trauma, pelo contrário, foi o impeachment de Collor que possibilitou o Plano Real e a eleição de FHC. O momento e as circunstâncias são outros. Mas, o PSDB vai seguir enfiando a o bico no chão e deixando a bunda de fora como avestruz?
As lideranças que mobilizam os grupos e as ruas no movimento pelo impeachment de Dilma e a faxina das instituições estão fora dos partidos tradicionais, cuja credibilidade perante esses segmentos mobilizados da opinião pública é baixíssima.
Das ruas emergirá uma nova direita, moderna, liberal/conservadora e democrática, avessa ao estatismo e ao patrimonialismo. Ao contrário do que dizia Marx, a vanguarda das mudanças é a classe média e não o proletariado. É por isso que Marilena Chauí e o PT nos odeiam. Nós representamos a sepultura do lulopetismo.
As lideranças dos grupos virtuais e reais que mobilizam as ruas se compõem de empresário médios e pequenos; de profissionais liberais, gente com noções de administração e estratégia que estão sendo aplicadas no planejamento de suas ações. Gente que tira dinheiro do próprio bolso para as vaquinhas que financiam ações nas mídias sociais e nas ruas. Gente que vai levar esse know-how para dentro da política partidária em estratégias sofisticadas para eleger líderes identificados com a causa da liberdade e da democracia, por vários partidos. Poucos, muito poucos, talvez alguns poucos tucanos venham a merecer os votos e o apoio dessas pessoas.
Essas pessoas começarão a invadir a política formal já nas próximas eleições municipais. Muitas delas pelo Partido NOVO. A maioria, em outros partidos de centro e centro-direita, mas, todas, ostentando selos de certificação conferidos pelos grupos a que pertencem, por sua identidade e compromisso com a agenda das ruas; com a defesa das liberdades; da democracia; da economia de mercado; da boa qualidade dos serviços públicos e da redução do Estado e da carga tributária.
E o PSDB de FHC e Aécio Neves, que, por falta de opção à direita, foi o estuário recebedor dos votos, das esperanças e expectativas desses milhões de brasileiros, está perdendo o bonde da história; jogando no lixo a oportunidade de corresponder aos sonhos que outrora representou. Talvez haja tempo para o PSDB mudar seu destino. Mas, estaria o PSDB interessado nisso?