Os filhos de Goebbels
A figura de Joseph Goebbels (1897-1945), o ministro da Propaganda do regime nacional-socialista alemão de Adolf Hitler, é bastante conhecida por sua famosa frase: “uma mentira repetida mil vezes se torna uma verdade”. Vinda de quem vem, essa frase, que inspira publicitários e marqueteiros mal-intencionados até hoje – quando profissionais experientes envidam todos os esforços para fazer valer narrativas que endeusam políticos visivelmente incapazes e trajetórias profundamente manchadas, como vimos nas últimas eleições -, ganha maior peso ainda. Se um mérito pode ser reconhecido ao monstruoso regime hitlerista, é o de sua propaganda. O nazismo praticava, é óbvio, a censura e a repressão militar, mas, como toda ideologia de viés totalitário, não media esforços em mobilizar as disposições do público a seu favor. Ele fazia isso, também é claro, apontando alvos a serem odiados e grupos a serem segregados.
Com base em estratégias sofisticadas de comunicação e exploração do emocional, ligadas a uma propaganda incessante, Goebbels foi ingrediente fundamental no esquema estético-discursivo tão peculiar da experiência hitlerista. Tudo ficava pior ainda porque, obcecado e fascinado, Goebbels acreditava naquilo que articulava. Ele era, por convicção e, de uma forma distorcida, quase que “religiosamente”, nacional-socialista. A ideologia e o Führer, para ele e sua esposa, Magda Goebbels (1901-1945), parecem ter sido o referencial completo de suas vidas, a síntese de tudo que mais importava. Isso pode tê-los levado a cometer uma das maiores barbaridades já cometidas em nome de princípios antiliberais e coletivistas.
Helga, Hedwig, Helmut, Hildegard, Holdine e Heidrun. Seis Hs, a mesma inicial do grande líder idolatrado pelos seus progenitores. Seis pequenas vidas. Seis crianças alemãs, longe ainda de compreenderem, provavelmente, os grandes problemas de seu tempo. Eram exaltadas, pelo próprio pai, em seu ministério, como representantes da pureza da raça ariana. Os filhos do casal Goebbels não tinham nenhuma responsabilidade direta pela guerra insana e pelos genocídios horripilantes instigados pelos pais e seus companheiros. Talvez não entendessem bem o significado de Führer. No entanto, criadas no meio, aquelas jovens vidas terminaram engolidas por ele.
O fato concreto é que as seis crianças não sobreviveram a 1945. Foram encontrados os corpos. Vítimas de envenenamento. Apesar de a causa das mortes ter sido bastante discutida, é hoje amplamente sustentado que o ilustre casal de nazistas assassinou os próprios filhos antes de cometer suicídio. Diante de tal atrocidade, perguntamo-nos: como podem? Por quê? Registra-se que, dois dias antes do ato infame, Magda Goebbels escreveu que “um mundo sem Hitler não é digno de vida”. Quer isto dizer: um mundo sem o nacional-socialismo. Os Aliados, felizmente, sentenciavam os anseios expansionistas do fascismo clássico e do nacional-socialismo à morte – por mais que aspectos de suas teses estatizantes tenham sobrevivido em boa parte das políticas econômicas ocidentais, e por mais que isso tenha sido feito em articulação com o regime soviético, tão ou mais assassino. Por mais que até o antissemitismo, a perseguição aos judeus, também se perpetue hoje, ainda que mascarada como aversão ao Estado de Israel. A despeito de tudo isso, o totalitarismo hitlerista, juntamente com seu líder, teve um merecido fim na Segunda Guerra Mundial, digno, sim, de toda a comemoração dos amantes da liberdade e dos verdadeiros amantes da humanidade – aqueles que sabem amar o semelhante, e não apenas a abstração do ser humano, como diria o político irlandês Edmund Burke em crítica a filósofos como o suíço Rousseau.
Para o casal Goebbels, nada disso era perceptível. Para eles, aquele fim era a suprema desgraça. Era o ocaso de suas esperanças, de seus delírios, das categorias absolutas com que enxergavam a realidade. Sem Hitler, sem o ideário nacional-socialista, sem fundamento para o mundo, para a vida e para o real. É esta uma das possibilidades quando o revolucionário totalitário vê suas fantasias desmancharem; sem dúvida, das mais extremas. A ideologia se tornou tão mais importante para os Goebbels que a realidade, que mais lhes valia furtar-se dela eliminando a própria vida, negando-se o futuro insuportável – bem como a seus filhos. Passagens da história, que convém não esquecer.