Populismo: Le peuple c’est moi
“Nada atrai mais intelectuais do que o sentimento de que eles representam ‘o povo’. Nada, via de regra, é mais distante da verdade.”
– Paul Johnson
O povo está indo às ruas. Qual povo?, perguntaria um membro do palpitariado político de prontidão em blogs e jornais tão em voga no Brasil. Ora, uma pessoa, um indivíduo autônomo, junto a outras pessoas autônomas e independentes. Mas será que são “o povo”?, insistiria a fofocaria travestida de jornalismo.
A esquerda, esquerdistas e direitistas concordariam, foi sempre a corrente política das ruas. Qualquer corrente pode se ver compelida a protestos e mobilizações públicas, mas a esquerda sempre foi campeã no método.
Isto se dá porque a esquerda tem como base de sua mentalidade a igualdade absoluta entre homens.
Não apenas a igualdade perante a lei, comum até a maioria das aristocracias: a igualdade de resultados econômicos. Ou seja, mesmo que duas pessoas que saiam de condições idênticas de oportunidades façam escolhas distintas durante a vida, a esquerda quer “corrigir” a desigualdade resultante, “distribuindo” (ela diria “redistribuindo”) o resultado econômico final.
Para isto, precisa de um Estado interventor e controlador de toda atividade, e para agigantar o Estado para um poder total, precisa de movimentos de rua para que este Estado atue bem além dos limites que a lei lhe impõe para proteção da liberdade.
Todavia, movimentos não-totalitários, ou mesmo anti-totalitários, muitas vezes se vêem obrigados a também tomar as ruas para, pelo contrário, diminuir a atuação do Estado sobre suas vidas, e voltar a ter uma existência normal. É uma situação aparentemente paradoxal, pois passa-se a atuar politicamente justamente para não se ter tanta influência da política na vida.
É a diferença entre uma Primavera de Praga, capaz de legar como liderança um bastião da liberdade como Václav Havel, e os caras-pintadas, que derrubaram um péssimo presidente, mas tinham como liderança protótipos de políticos ainda mais favoráveis a um Estado agigantado sobre a liberdade individual, como Lindberg Farias.
Esta diferença confunde hoje o Brasil, sobretudo sua classe falante, travestida de todas as subformas possíveis de escrevedores de palpites públicos. Ao contrário do movimento de massa de junho de 2013, dissolvido aparentemente apenas no limiar das eleições de 2014, agora temos movimentos de rua com proposições claras – e antagônicas.
Como em eleições de escola de samba, parece que se julga como “vencedor” quem levar o maior número de pessoas às ruas.
O vencedor, então, seria claro: os movimentos que querem o impeachment de Dilma Rousseff, com diversas lideranças e sub-propostas (seja a insana, simplista e contraproducente intervenção militar ou as investigações jurídicas que ensejam o fechamento completo do Partido dos Trabalhadores). Suas mobilizações levam para as ruas mais de 100 vezes mais do que os atos a favor do PT.
A narrativa, então, tornou-se outra: as mobilizações pró-PT e favoráveis à manutenção de estatais como cabidão (ops!) de empregos e fundos de corrupção seriam “do povo”, enquanto as manifestações com mais de um milhão de pessoas nas ruas (sempre contadas como apenas algumas centenas de milhares por institutos de pesquisa de jornais favoráveis ao governo petista) seriam uma manifestação “da elite”.
É a velha crença de que a condição econômica de alguém define seu pensamento, seus objetivos e seus desejos, a superstição das “classes sociais”. Curiosamente, todos os divulgadores de tal historieta são da tal “elite” ou “classe média” que tanto criticam, sem nunca atentar para o fato de que se eles próprios são “exceções” à regra que querem impor, talvez quem proteste também possa fazê-lo sem ser por “interesses de classe” (conceito que, de cabo a rabo, não se sustenta).
Agora, então, é preciso saber se somos “o povo” ou não.
Ou não exatamente agora. Ainda em 1987 Barry Rubin publicava o clássico Modern Dictators: Third World Coup Makers, Strongmen, and Populist Tyrants, em que define um novo tipo de ditadura. Não apenas a ditadura autoritária que se impõe pela força contra o povo nem a tirania ideológica dos totalitarismos do século XX (comunismo, nazismo e o totalitarismo islâmico), mas um misto de ambas com um toque bem típico ao terceiro mundo: o populismo.
É a crença revanchista e propagandista da auto-comiseração, que se prolifera como doenças tropicais em países de Terceiro Mundo, que debita todo o fracasso dos pobres que abundam nestes países aos ricos – sejam do próprio país, sejam os estrangeiros. Nunca, é claro, a quem toma dinheiro dos pobres para projetos de poder.
É o auto-coitadismo, a inveja como método, a tomada da riqueza alheia como fim. Para tal, o Estado é visto como algo a ser dominado hegemonicamente, para então ser usado como a força capaz de tomar a riqueza alheia legalmente. Os políticos, ao invés de competentes gestores da coisa pública (res publica), são escolhidos simplesmente por serem líderes carismáticos com um maçante discurso repetitivo sobre atacar os “poderosos” ou “ricos” e salvar os pobres através de seu beneplácito e de sua caridade política com o dinheiro tomado dos primeiros.
Uma situação que qualquer latino-americano conhece bem.
Se o populismo antigo, aquele do panem et circenses do tardio Império Romano anunciando sua ruína, é apenas o provimento de diversão e fartura fácil e gratuita para o povo em troca de obediência política, o novo populismo é aliado ao bode expiatório da acusação a “poderosos”, anunciando um estado (e um Estado) de paranóia premente que está sempre encontrando “inimigos do povo” que estragam o fracassado projeto populista em todo lugar.
Aprendemos com René Girard que toda a civilização nasce com o bode expiatório: não são os projetos comuns de homens errantes que se juntam para iniciar uma civilização assentada e sedentária, e sim o medo de uma ameaça maior comum que une homens indóceis uns aos outros sob o mesmo manto de proteção.
O populismo, primitivo como sói, apenas encontra “poderosos” falsos para iniciar sua pseudo-civilização de ícones de pés-de-barro: os ricos, os judeus, os poderosos estrangeiros – todos aqueles que não acatam seu projeto de supressão de um Estado de lei para um Estado total de liderança populista (exatamente por esta razão, o nazismo é incompreendido como uma mentalidade “intolerante” e de supremacia, e não como o que foi: um populismo sindicalista que visa destruir um grupo economicamente “poderoso” que os ameaçava, os judeus).
Um dos principais teóricos que fomentou o populismo foi Nicolau Maquiavel, que, em seu O Príncipe, preconizava uma separação brutal entre a moral e o objetivo político. Assim, a melhor situação para um príncipe seria ser amado e temido pelo povo, mas caso fosse necessário escolher apenas entre um dos dois, era melhor ser temido, pois o próprio populismo enfraquece o povo (pois precisa deste povo em estado eterno de dependência), não mais sendo o povo útil para defender o príncipe. Não à toa, é influência cabal de Marx e Lenin.
O populismo moderno apenas esconde mais seus tentáculos: não se mostra temível, mas quando afugenta investidores, quando permite que a criminalidade atinja proporções ionosféricas, quando a imprensa é sufocada economica, judicial e civilmente, quando aqueles que trabalham se sentem ultrajados por terem os frutos de seu trabalho tomados por impostos apenas para as benesses da nova realeza populista, os gerentes do populismo usam seus acólitos no poder, na imprensa e na cultura para ridicularizar e acusar aqueles sedentos de liberdade por irem contra o planejamento central.
Foi o que explicou, de maneira direta e simples, a ativista guatemalteca Glória Álvarez, em entrevista ao indispensável programa The Noite, com Danilo Gentili. Analisando a situação política da América Latina da “privilegiada” e difícil posição de quem vive sob a ameaça de um de seus governos populistas, Glória Álvarez explicou que o continente inteiro sucumbiu a este novo tipo de ditadura, ou governo supostamente “democrático”, mas tomado inteiramente pela hegemonia do pensamento único.
Thomas Jefferson já explicava o fiasco da crença iluminista de que o renascimento da democracia poderia ser obtido com uma separação entre poderes, pois estes checks and balances dos três poderes poderiam muito bem agir em conluio, como no caso do mensalão, da anulação parlamentar e da excessiva intromissão e “indicação” pelo Executivo de agentes do Judiciário, exigindo algo mais do que votos e separação entre poderes, ou seja, uma lei republicana para termos de fato liberdade.
Glória Álvares, imunizada aos eternos apelos sentimentalistas à palavra “democracia” pelos populistas, que cada vez mais a esvaziam de sentido, senão o de tomada de poder pelo voto, explica como se deu a mudança.
Até 1989, a esquerda conhecida era ainda aquela velha caquética crente no socialismo e na reabilitação de Stalin (defendido pelo PCdoB, da base do PT), Mao (defendido por Luiz Gushiken, fundador da CUT e Secretário de Comunicação da Presidência durante o primeiro mandato de Lula), Pol-Pot (que Noam Chomsky considerava que só tinha assassinado “algumas centenas de traidores” em artigo no New York Times) e afins.
Com a queda do muro de Berlim em 1989 e o esfacelamento final da União Soviética 2 anos depois, a esquerda latino-americana entrou num dilema: não tinha mais dinheiro para viver de tentativas de instauração da ditadura do proletariado, a um só tempo em que jura que era composta de “trabalhadores” (que ela queria que pagassem mais impostos para poder controlá-los).
A solução foi orquestrada aqui em São Paulo: Lula e Fidel Castro, entre outros, criaram o Foro de São Paulo, organização que reúne de partidos políticos legais a organizações terroristas como FARC, MiR, até ex-membros do maoísta Sendero Luminoso. Seu objetivo declarado era “construir na América Latina o que foi perdido no Leste Europeu”. Nascia, assim, o socialismo do século XXI, mais parecido com o fascismo do que com o próprio socialismo internacionalista do Comintern.
Para tomar o poder de forma total, abandonaram a guerrilha (ou a “privatizaram”, com suas eternas alianças com grupos paramilitares como FARC e PCC) e começaram a disputar o poder “democraticamente”. Ao menos, a tomar o poder pelo voto, mas não a exercê-lo com separação de poderes: daí a compra de votos do mensalão, a concentração de poder venezuelana e boliviana, os conchavos com ditaduras da velha guarda, de Raúl Castro a Ahmadinejad, de Teodoro Obiang ao Hamas.
Seu objetivo é a “pátria grande”, uma América Latina inteira socialista, sob a antiga liderança política de Cuba e a nova liderança econômica do Brasil. Ou, como chama José Dirceu, a “hegemonia partidária”, conquistada por Hugo Chávez e (temporariamente) por Pepe Mujica. É a troca de Lenin por Gramsci. É a substituição das células terroristas e seqüestros por compras de votos e aparelhamento de estatais. Era o disfarce do socialismo sob eufemismos como “democracia participativa direta” ou “governo social”.
Populistas como são, estas novas formas de tirania e governos que agigantam a atuação estatal precisam sempre também de seus inimigos. Tanto no abstrato (o “neoliberalismo”, conceito quase oco de sentido, acusado até hoje pelas privatizações, a melhor coisa que já aconteceu ao país para dar mais dinheiro e poder aos pobres, como comprova o livro Privatize Já!, de Rodrigo Constantino), quanto no concreto: tratar aqueles que se sentem sufocados pelo Estado da planificação e mesmificação social como inimigos.
Surgem ex nihilo expressões depreciativas criadas por agentes de agitação, que se tornam lugares-comuns, como se fossem descrições frias e científicas da realidade: mídia golpista, classe média (em substituição ao ultrapassado “burguesia”), coxinha, tucano, elite branca, o ultra-paradoxal “saudosista da ditadura” e uma cornucópia de “fascistas”, que faz parecer que estamos na soleira de um novo incêndio no Reichstag.
São tentativas de tornar as pessoas que discordam do plano de dominação total de “inimigas do povo”. Assim, há “o povo”, “os trabalhadores” (geralmente a classe ligada a políticos e sindicalistas, que menos trabalham e ganham seu dinheiro através de impostos tomados dos trabalhadores de fato) e “inimigos” que não devem ser ouvidos. Para atenuar o linguajar que remete a Carl Schmitt e a filmes de espionagem, cria-se e usa-se a enxurrada de eufemismos supracitada, usualmente confundindo abstrações com concretude e linguagem figurada com descrições analíticas puras.
Assim, como bem salienta Glória Álvarez, o problema maior do populismo não é nem econômico (embora, como diz o sociólogo argentino Mariano Grondona, o populismo gosta tanto dos pobres que os multiplica) e nem político, a despeito dos laivos de tirania de Chávez, Maduro, Kirchner, Correa e afins.
O problema verdadeiro é psicológico: a mentalidade incutida nas crianças desde pequenas pela educação socialista centralizada é de Estado-dependência, de crença que qualquer ação política é legítima, útil, positiva, benéfica e defensável bastando-se colocar “social” em seu nome. A vida se torna política, odiando-se a liberdade que se obtém diminuindo-se a sua importância e impacto em nossas vidas (vide o belo ensaio de Theodore Dalrymple sobre Stefan Zweig, “Um Gênio Descuidado”, em seu livro Nossa cultura… Ou o que restou dela).
Esta mentalidade anti-capitalista que busca criar um gigantesco Estado-Babá em substituição ao decrépito comunismo sofre do mesmo problema antigo: como o socialismo (e a política) não produzem nada, tal ideologia de auto-comiseração e inveja busca tomar o que o outro produziu, como se os escolhidos do líder populista (seus asseclas ricos e os ludibriados que trocam voto por poder) fossem seus verdadeiros donos.
Daí a divisão entre “classes”, que passa a seguir o método de Ernesto Laclau: basta-se nomear ad hoc um grupo como uma “classe social” para que tal classe passe a “existir”, buscando-se uma hegemonia estatal para controlá-las.
Desta forma, parte da sociedade, escolhida a dedo (na urna) e chamada “povo”, é a que precisa ser “protegida”, a um só tempo em que é inflada com discursos de massagem no ego (já que sua maior parte é de ricos burocratas ou pretensos intelectuais). E todos aqueles que não acatam a obediência à planificação social são os inimigos.
Basta apenas aparecer o super-herói que, através do Estado, vai salvar os primeiros dos segundos: os políticos populistas, que até quando são pegos com a boca na botija são tratados como “heróis do povo brasileiro” pela bovinoidemente submissa militância.
Não espanta a analistas atenciosos à realidade além da docilidade de palavras, como a guatemalteca Glória Álvarez ou a romena Anca Cernea, que tão bem analisou a situação atual do Brasil, que estes populistas 2.0 comprem a imprensa através de anúncios estatais para torná-la dócil, que simplifiquem a linguagem para uma dicotomia repetitiva entre merecedores e não-merecedores de algo, que busquem projetos de censura disfarçada na internet com eufemismos como “humanização” ou “marco social” e que a maior preocupação de tais políticos seja com coisas abstratas e indefiníveis, como “discurso de ódio” (crime que podem imputar a qualquer um de que não gostam, protegendo quem gostam), e não com a situação de calamidade dos menos favorecidos no país.
O que é realmente espantoso, como o tambós aristotélico que inicia a filosofia, é que uma guatemalteca e uma romena consigam perceber o óbvio da realidade brasileira com uma precisão cirúrgica infinitamente maior do que mais de 95% de nossos jornalistas.
Nada mais revelador do resultado da planificação cultural, política e social do populismo do que um país continental não produzir mais alta cultura e filosofia própria do que ativistas de minúsculos países há décadas assolados por ditaduras as mais brutais.
Ufa!!
“Glória Álvares, imunizada aos eternos apelos sentimentalistas à palavra
“democracia” pelos populistas”
Essa é a glória!!! …rsrs …tal palavra em si é flatulenta, já que efetivamente sua essência não tem qualquer definição além de exigir eleições e propaganda política regulamentada. Ou seja, os eleitos democraticamente tudo fazem exclusivamente em próprio interesse.
Tal palavra não tem absolutamente nenhum significado objetivo. É apenas um meio de empulhar populações idiotizadas por apelos a sua vaidade: acreditam que o Poder os representa, que são importantes porque elegem seus senhores e feitores. Algo como também se manipula a massa imbecilizada com slogans do tipo “patrimônio do povo” ao referirem-se a empresas estatais que, artificialmente monopolistas, podem impor seus elevados preços e ineficiência a toda uma população subserviente e estupidamente feliz em sua vaidosa servidão.
A idéia de democracia não faz sucesso pelo que é em seu significado, mas porque é um apelo à vaidade dos imbecis, não diferente do fato de empresas estatis também causarem o mesmo efeito imbecilizante na população ansiosa por alimentar seu desejo de orgulho postiço. Afinal, estatais não são do tal de povo e sim dos donos do Poder que as utilizam como cabide para seus militantesem como para aliciar apoio de gente com pouca autoestima e ansiosa por pertencer a algo grande ou “possui-lo”.
Curiosamente aquilo que é “do povo” e que existe “para o povo” na verdade explora o povo através da força, do monopólio, dos preços elevados e até dos aportes para cobrir prejuizos causados pela ineficiência de parasitas.
O tal de “patrimônio do povo” é proibido ao povo e ainda lhe cobra mais por serviço menor. …mas como gostam de dizer que “o petróleo é nosso” e bobagens sobre demais estatais repletas de inúteis parasitas. …rsrs
O tal de povo gosta de dizer que as estatais são suas, mas estas em nada os beneficia. Mero AUTO ENGANO de mentes ansiosas por bobagens que os faça melhorar a autoestima através de procedimento que só prova quão pouca estima merecem tais estúpidos imbecis.
Não diferente defende-se democracia como se esta defendesse liberdade, quando em verdade defende mesmo é a OBEDIÊNCIA AOS ELEITOS em meio a artificiosa propaganda e mesmo fraudes. Além de ser uma decisão de esmagadora maioria de ignorantes encantados com a própria vaidade afagada tomando decisões exclusivamente emocionais. Hora, democracia é a ditadura dos eleitos sobre a população submissa. Ela apenas garante que haverá eleições e propaganda REGULADA, e muitos empecilhos para que partidos e candidatos independentes possam obter sucesso num sistema ou processo VICIADO.
Impecável, como sempre! O mundo precisa de um livro de Flavio Morgenstern.
No comecinho de junho já estará nas livrarias! :)