Sobre hienas e lobos

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Esta semana, o presidente do Instituto Liberal (e meu amigo, acrescento) Rodrigo Constantino escreveu em seu blog um belo artigo intitulado“FHC Representa a Esquerda Mais Civilizada e Democrática”. Considero oportuno o ensejo para trazer de volta à tona recordações importantes para a nação que, creio eu, apontem o leitor em uma direção ligeiramente diversa. Para isto, tentarei recordar brevemente como o período tucano foi responsável por uma guinada à esquerda de uma ousadia sem precedentes e com medidas que antes seriam impensáveis no Brasil.

Comecemos com uma métrica bastante simples, porém eficaz, para medirmos o tamanho do Estado: a quantidade de dinheiro que ele retira do setor produtivo da nação, ou seja, a famosa Carga Tributária. Outros autores já mostraram a evolução da carga tributária no Brasil, mas podemos resumir a história dizendo que ela manteve-se estável durante 30 anos, com flutuações, mas sempre em torno dos 25% do Produto Interno Bruto. Bastaram, no entanto, apenas 8 anos de um governo tucano faminto, para a mesma alcançar um patamar entre 35 e 40% do PIB.

Um genuíno liberal só conseguiria imaginar três razões possíveis para tamanha necessidade de recursos: uma redução do endividamento público; um maciço programa de investimentos em infraestrutura; ou uma melhoria substancial dos serviços governamentais.

Não foi o caso de redução do endividamento. Na verdade, apesar, há de se dizer, da Lei de Responsabilidade Fiscal, o período FHC foi responsável por um endividamento público superior à soma de todos os governantes da história do Brasil, de Dom Pedro I até Itamar Franco. Mais do que isso, ele o quadruplicou. Em valores nominais, herdou uma Dívida Líquida do Setor Público de R$ 208 bilhões. Ao fim de seus dois mandatos, a devolveu em estrondosos R$ 892 bilhões. Se o leitor preferir uma análise da relação DLSP/PIB, esta dobrou de 29,5% em 1995 para impressionantes 60,4% em 2002.

Se não foi o caso de uma redução do endividamento, talvez tivesse sido o de uma melhoria substancial dos serviços públicos. Eu me pergunto se teria esta acontecido na área da educação, onde os desempenho dos brasileiros em testes internacionais já despencava. Ou na saúde, com o maravilhoso SUS, motivo de orgulho posterior de Lula. Ou talvez na segurança, onde, em 8 anos, o número de homicídios passou de 20 mil para mais de 40 mil por ano. Ou, quem sabe, na defesa, com a extinção dos ministérios do Exército, Marinha e Aeronáutica e sucateamento patente das três forças, que se viram obrigadas até a reduzir seus turnos por falta de orçamento para a ração da tropa.

Um leitor desavisado poderia imaginar talvez que tais recursos tenham sido usados em um amplo programa de investimento em infraestrutura. Este faria então um rápido exame na situação dos aeroportos, portos, ferrovias, estradas e redes de transporte público do país à época, somente para constatar que àquela altura já estávamos “chupando o bagaço” do que havia sido investido pelos famigerados governos militares. Mas, ainda mais avassaladora, é a lembrança de que o país chegou ao ponto de parar por falta de energia, com direito ao maior blackout da história em março de 1999 e posterior racionamento que forçou a atividade econômica a entrar em uma dolorosa recessão, jogando o ônus da falta de planejamento governamental nas costas do empresariado.

É uma pena que diante da abundância de recursos que acabo de relatar, o governo tenha optado por realizar o comemorado controle da inflação, não através de uma política fiscal austera, mas utilizando-se de um garrote monetário que exigiu taxas de juros básicos que estiveram em médias próximas a 30%, mas que chegaram a 45% ao ano em 1997, paralisando completamente os investimentos privados. Não é necessário dizer que um verdadeiro apego às práticas liberais teria implicado em um crescimento muito mais modesto no estoque de moeda, que certamente permitiria taxas bem menos dolorosas à nação.

Também, completamente contrária a qualquer noção liberal, foi a política de câmbio durante todo o seu primeiro mandato. Neste campo, é digno de nota especial o episódio que pode ser considerado o precursor do “estelionato eleitoral” do qual Aécio Neves acusa Dilma Rousseff  (com razão, diga-se). Relembro: após uma campanha presidencial inteira defendendo a estabilidade do Real, o governo FHC conseguiu detonar, apenas no ano de 1998, US$ 35 bilhões de dólares – então metade das reservas internacionais do país – apenas para manter um câmbio fictício durante o ano das eleições. Ato contínuo à sua nova posse, foi obrigado adotar finalmente o regime flutuante, em um processo vergonhoso que culminou em um discurso melancólico em rede nacional de que “A âncora do Real é o povo Brasileiro”.  Resultado: a âncora não era grandes coisas, e até o final de 1999 o dólar subiria mais de 60% frente ao Real.

Na verdade, não importa para onde o leitor liberal aponte suas lentes, o governo FHC foi um grande tormento. Seja pela inação e o engavetamento das reformas (política, tributária, trabalhista, previdenciária); ou pelo desastre nas relações comerciais que fecharam o país às importações, afundaram a ALCA e ainda deixaram o Brasil preso a um Mercosul moribundo, por pura balela ideológica; ou pelo ambiente de negócios e burocracia desastrosas que nos mantiveram como um dos mais inóspitos países do mundo para empreendedores; ou pela tolerância ao crescente desrespeito à iniciativa privada e o crescimento de movimentos como o MST e MTST; ou pela elaboração (e posterior apoio) ao Estatuto do Desarmamento; ou pela implementação do sistema de cotas raciais nas universidades; ou pelas cartilhas do MEC e criação do ENEM; ou pelas agências desreguladoras; ou pelos cartões de crédito corporativos da presidência; ou pelo desrespeito às patentes nos programas dos genéricos; ou pela farra da publicidade governamental;  ou pela implementação do sistema de votação eletrônica com apuração secreta; ou, é claro, pelos “programas de distribuição de renda” que acabaram por se tornar, sob a égide do PT, o Bolsa Família.

Ao final de seus dois mandatos, Fernando Henrique Cardoso conseguiu a proeza de não só, realizar o pesadelo de qualquer liberal como, apesar deste horrendo conjunto de obra, receber a fama de ser liberal, colocando nestes a responsabilidade por todos as mazelas do Brasil para sempre e pavimentando de vez o caminho para o governo socialista do PT.

Sim, Constantino tem razão quando diz que há uma grande diferença moral e intelectual entre FHC, Lula e Dilma. Aquele, ao menos, não parecia ter como objetivo primário a implantação de um Estado Comunista no país. Mas foi nesta dicotomia perversa que o Brasil, infelizmente, se fiou nos últimos anos: a discussão entre o ruim e o pior. E como dizem, para quem está sendo devorado por uma hiena, um lobo pode parecer um dócil cãozinho.

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Paulo Figueiredo Filho

Paulo Figueiredo Filho

Cursou Comunicação Social e Economia na PUC-Rio e é bacharel em Filosofia. Teve significativa passagem pelo setor público como assessor especial e chefe de gabinete no Governo do Estado e na Prefeitura do Rio de Janeiro. De volta à iniciativa privada, hoje atua como CEO do grupo Polaris Brazil, à frente de empreendimentos imobiliários e hoteleiros de porte internacional, incluindo o Trump Hotel do Rio de Janeiro.

6 comentários em “Sobre hienas e lobos

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    25/03/2015 em 2:30 pm
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    O tecido social da sociedade brasileira está doente. Diante disso pergunto: Onde estão aqueles que vão atuar no processo de cura? Onde está o remédio para ser administrado? Onde estão as instituições que irão cuidar para que a recuperação ocorra? Infelizmente não vejo ninguém e nenhuma organização digna e capaz o suficiente para tal. Não sou médico mas ao meu ver a metáfora é bem adequada. Quem sabe se as manifestações do povo mais esclarecido gera uma carga de anticorpos capaz de reverter esse mal…

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    25/03/2015 em 2:06 pm
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    Esse filho da put@ do FHC me deve sangue. É o principal responsável pela morte do brilhante Paulo Francis. Ainda verei esse verme pagar por esse assassinato “estatal”!!!

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    24/03/2015 em 10:21 pm
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    Excelente artigo.

    Fragmento do artigo “O chuchu que virou pepino”, de Olavo de Carvalho.

    “Tempos atrás, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o então teórico petista Cristovam Buarque reconheceram, numa declaração conjunta, que seus respectivos partidos não tinham nenhuma divergência no que diz respeito a ideologia e metas; que a única disputa ali existente era de cargos.”

    http://www.olavodecarvalho.org/semana/061009dc.html

    “Só luta pelo poder separa PT e PSDB, diz FHC”
    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1104200505.htm

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    24/03/2015 em 8:34 pm
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    De fato ocorreu aumento da dívida pública e da carga tributária nos governos FHC. Entretanto, deve-se lembrar que a Constituição “cidadã” de 1988, repleta dos ditos direitos, pressionou o estado brasileiro a aumentar seu tamanho para tentar fazer frente às novas despesas e políticas públicas. Com relação ao aumento da dívida pública, cabe ressaltar que o Brasil vinha de períodos de inflação galopante, onde as contas públicas escondiam esqueletos que, após a estabilização da moeda se tornaram evidentes e tiveram que ser contabilizados. Temos que dar crédito ao FHC pelo amplo programa de privatizações e concessões realizadas sob sua gestão. Infelizmente, o que vemos hoje é aumento do estado e grupos de interesse sempre demandando benesses estatais, subsídios e regulação.

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    24/03/2015 em 3:59 pm
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    A carga tributária nominal não pode ser avaliada sozinha em um ambiente altamente inflacionário. Eu não saberia dizer se diminuir os gastos do governo, apesar de ser o mais correto, seria politicamente viável, mas é claro que o aumento da carga tributária tinha como objetivo dar base para o controle da inflação.

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    24/03/2015 em 12:43 pm
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    PT e PSDB nasceram no mesmo berço, seus idealizadores intelectuais vieram da USP, mais precisamente dos departamentos de Sociologia e Filosofia, do qual FHC fez parte. Os dois partidos discordavam apenas na dosagem de intervencionismo estatal, nas esferas pública e privada. A diferença mais marcante estava nas suas lideranças, mais descentralizadas no PSDB em relação ao PT, em que LuLLa reinava quase que sozinho. O ex-informante do DOPS é um completo mau caráter, um ser político amoral, sua oposição feroz ao Malufismo em São Paulo no fundo significava apenas inveja e desejo de se locupletar da mesma forma, e foi o que ele fez ao chegar ao poder. FHC é dentro do PSDB o maior responsável pela ascensão e manutenção no poder do lulopetismo, uma mistura de bolivarianismo com peronismo, que só não atingiu seu objetivo de literalmente tomar conta do país em razão da abnegação de uns pouco servidores públicos dignos e honrados como o juiz Sergio Moro e Dalagnol no MPF, mas o principal, e para nossa sorte, foi que o PT na sua estratégia gramsciana de ocupação de espaços não ter estabelecido vínculos fortes com as Forças Armadas, que sempre tiveram consciência do perigo do lulopetistmo. Se eles tivessem ganho as armas, já seríamos uma grande Venezuela, FHC, aposente-se na sua “dignidade”, pois o senhor ajudou a afundar o Brasil.

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