A TV Brasil se foi. E a Voz do Brasil fica? Por quê?

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Ricardo Bordin*

 

 Já não era sem tempo: a malfadada EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) vai passar por um processo de depuração, de maneira que a TV Brasil deve deixar de ser propaganda partidária não oficial, cabide de emprego para “jornalista“ pelego e desperdício de recursos oriundos de tributos. Se você não souber que canal é esse, você faz parte da maioria: Em 2012, a preferência pelo canal na Grande São Paulo variou de 0,06 a 0,11 ponto no Ibope.

Mas se esse vazamento descontrolado de dinheiro público vai ser estancado por tais motivos, por que então não aproveitar e fechar, ou pelo menos otimizar, pelas mesmíssimas razões, outra torneira que jorra verba estatal desde 1935, testando a paciência dos brasileiros e prejudicando as rádios de todo o país? Sim, este momento de higienização dos órgãos governamentais é ideal para dar fim à Voz do Brasil. Ou aperfeiçoar seu formato, na pior das hipóteses.

Idealizada pelo ditador do Estado Novo, Getúlio Vargas, com o objetivo de propagandear as realizações do governo federal, o programa tornou-se transmissão obrigatória pelas emissoras de rádio, sempre no horário das 19 horas. Esa imposição só encontra parâmetro em países de regimes políticos fechados e ditatoriais, como China, Cuba e Coréia do Norte. Desde então segue intocável, sem que ninguém ouse bulir neste dinossauro da comunicação, proveniente de uma época em que até mesmo a televisão era artigo de luxo no Brasil.

A intransigência é de tal ordem que mesmo em situações excepcionais, como enchentes, as pessoas são privadas de ouvir orientações da defesa civil pelo rádio. Se seu time for jogar uma partida importante neste horário, então, esqueça a possibilidade de ouvir o jogo.

Já na época de sua criação, tenho sérias dúvidas de que as 50 rádios então existentes não fossem capazes, por si mesmas, de informar os ouvintes sobre as mesmas notícias veiculadas durante a Voz do Brasil. E fazê-lo muito mais rapidamente, sem precisar esperar até às sete da noite para noticiar fatos importantes, e com mais imparcialidade. Digno de nota: quem já ouviu alguma vez este programa, e não desligou o rádio imediatamente antes que a ópera “o Guarani” parasse de ser reproduzida, certamente pensou estar ouvindo o horário eleitoral gratuito, e não um noticiário, com direito a escutar a palavra “Presidenta”.

Todavia, nos dias atuais, a conjuntura ganha contornos de escárnio com o pagador de impostos: dezenas de milhões de reais ao ano para acompanhar a saga da tocha olímpica pelo Brasil; para dar notícias já veiculadas 12 horas antes por canais de TV, rádios e portais da internet (em relação a esses, estima-se que mais de 50% da população brasileira já tem acesso à rede mundial); ou para reproduzir o discurso de deputados e senadores no congresso nacional naquele dia.

E não há que se falar em “atingir os mais longínquos rincões do Brasil”, como tentam alguns justificar a preservação dessa cara excrecência. Setenta e cinco por cento dos brasileiros da região Norte NUNCA ouvem a Voz do Brasil; no interior de Goiás, esse número atinge 80%!

Outra faceta deste deboche com o “contribuinte” (esse eufemismo me faz recordar dos empregadores que chamam empregados de “colaboradores”) é o dispêndio de dinheiro público de múltiplas formas para a mesma (duvidosa) finalidade. Os três poderes da União Federal contam hoje com emissoras próprias de TV em sinal aberto e rádios, muitas delas com redes em plena expansão, como é o caso da Rádio Senado e Rádio Câmara. Além disso, o programa A Voz do Brasil é transmitido ao vivo (inclusive com imagens dos estúdios) pelo site da EBC Serviços. Para não mencionar que as ações governamentais já são divulgadas a custo bilionário, com direito a propagandas produzidas por grandes agências de publicidade, nos canais privados de TV. Por fim, até mesmo por meio do Facebook e do Twitter a divulgação de tais informações é realizada a baixíssimo custo – duas redes sociais que atingem um contingente altíssimo de brasileiros.

Considere-se, ainda, o outro lado do balcão de desperdício de tempo e recursos: o das empresas de radiodifusão. São cinco horas a menos de programação por semana e, portanto, cinco horas a menos de anúncios de patrocinadores. E segue a tônica da economia brasileira: mais dinheiro circulando nas mãos do Estado, menos dinheiro circulando nas mãos dos investidores privados. E as consequências inevitáveis: menos empreendimentos, menos empregos, menores salários. E mais verba disponível para acordos espúrios e cargos para usar como moeda de troca eleitoral, claro.

Aos nostálgicos que não conseguiriam viver sem a Voz do Brasil, que defendam a adoção de métodos mais eficientes no cumprimento da meta de “manter o cidadão informado” (claro), tais como: reduzir o broadcast diário para apenas um único “resumão“ semanal na sexta-feira; gravar todos os programas em formato de podcast e disponibilizar no website do governo federal; permitir horário flexível para sua veiculação, autorizando as rádios a escolherem o momento mais oportuno.

Mas esses mesmos nostálgicos podem rebater tais medidas com a justificativa de que, desta forma, os ouvintes vão trocar de rádio na hora do programa, ou não irão ouvir o podcast, ou não irão privilegiar o resumão da sexta. Exatamente, meus camaradas: ninguém quer ouvir essa coisa! E não cabe ao Estado enfiar informação nas cabeças das pessoas contra a vontade delas, ao estilo Laranja Mecânica.

Quem quiser ouvir a Voz do Brasil (em caso de não extinção total dela), que o faça no horário e da forma que melhor lhe aprouver. E se não quiser, essa pessoa vai ler, ouvir ou assistir sobre as mesmas notícias em outras fontes, muito antes e em uma plataforma mais amigável. E se ela quiser passar a vida sem ouvir este programa bolorento, faça-o. Eu e quase todos os brasileiros já fazemos isso, na verdade. Só queremos que cesse a sangria de verba pública, e que as rádios ganhem uma hora a mais por dia de programação – não que eu faça questão de ouvir tanta música, mas porque queremos esses recursos transferidos do governo para o mercado. Boa noite!

 

*Ricardo Bordin é Auditor-Fiscal do Trabalho desde 2011, e no exercício dessa profissão vem testemunhando de perto as dificuldades dos empresários para produzir no Brasil.

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