“União nacional” pela “paz social”? Por favor, Michel Temer…
Temos sustentado – e cremos que com razão – que, em matéria de política, é preciso evitar anseios afobados, por melhores que sejam as intenções, e saber administrar a seu favor os instrumentos concretamente à disposição, mesmo que estes não sejam ideais. Inútil e perigoso seria buscar atalhos revolucionários ou golpistas. Entretanto, é igualmente recomendável que não nos iludamos com esses possíveis instrumentos, cientes de suas limitações. É o caso do PMDB. A legenda tem sido uma pedra no sapato do PT em muitas questões, evitando a plena ocupação de espaços pelo partido vermelho, resistindo a projetos como regulação da mídia e aborto, e contrapondo seu próprio modelo de reforma política (no qual também se podem apontar defeitos, aliás) às “sugestões” ameaçadoras da cartilha da estrela. Não podemos esquecer, porém, que o PMDB pertence à base aliada e caminha por essa estrada tortuosa junto com o indigesto “parceiro” há uns bons anos. O vice-presidente, Michel Temer, em sabatina para o Canal Livre da TV Bandeirantes na madrugada de domingo (29/03), deixou isso muito claro no tom que adotou para responder às perguntas.
Os caciques do PMDB estão sempre a avaliar a situação para definirem o que será mais benéfico às suas ambições nada modestas. Num contexto de ampla revolta popular, em que a economia deteriora de forma grosseira, a moeda se desvaloriza, o país sofre o impacto traumático da maior crise de corrupção da história republicana, e as ruas estão às voltas com os maiores protestos da tenra e combalida democracia brasileira, francamente não sabemos dizer se o tom comedido e por demais governista de Temer atende aos seus interesses. Estaria ele sendo inteligente? Não sei. Quanto a estar sendo cínico e insensível como só consegue ser o mais hipócrita defensor do petismo e do “dilmismo” – se é que nossa presidente merece ter seu nome identificado com uma “corrente política”, do que não creio que ela seja digna -, isso decididamente está.
Temer fez questão de frisar que o PMDB ganhou as eleições, ao lado do PT – a verdade, ainda que nada lisonjeira. Ainda que a lisura dessas eleições, em que o PT usou e abusou da máquina pública, das leis eleitorais e do recurso às mentiras e agressões mais sórdidas, não seja mais do que um castelo de vidro, ao qual não é nenhuma grande honra estar associado. Discursou, como costumam fazer os nossos políticos, como se o PT fosse um partido normal e não estivéssemos vivendo um franco combate a um projeto de poder que tem tramado diuturnamente a substituição de nosso sistema de pendor liberal-democrático por sua agenda autoritária. Temos apenas que lidar com discussões rotineiras por cargos e negociações inteiramente normais. Pois quê!
Problemático mesmo, porém, foi que ele pontuou que há um “clima de pessimismo” e que isso “não é bom para o país”. Em um “otimismo” imoral, porque segue alimentando as venenosas ficções tecidas na campanha eleitoral, Temer diz acreditar piamente que as medidas de ajuste fiscal e a “intervenção do governo” – por que será que não apreciei o uso dessa expressão? – combaterão mais que depressa nossos problemas, e que “trabalhar contra” isso neste momento seria contraproducente. Precisaríamos de “unidade nacional” pela “paz social”. Muito bonitinho – por isso mesmo, surreal – esse papinho “conciliador” do vice-presidente, mas o que de fato ele quis dizer com isso? Se ele clama por essa união, significa, quero crer, que há quem a esteja ilegitimamente obstaculizando. Quem seria? A oposição, cujo dever é, francamente, se opor? É uma lástima ainda ter que explicar isso para quem, assim como Temer, julga que temos, como ele disse, uma democracia robusta – mas que, ao mesmo tempo, estaria ameaçada por uma “crise institucional” caso um processo de impeachment contra a presidente Dilma fosse instaurado.
Vice-presidente, a “crise institucional” já está aí. Esse governo de que, apesar das rusgas, o senhor faz parte, fez-se responsável por permití-la e provocá-la. A oposição, ao cumprir seu dever de, repetimos, se opor, para parafrasear o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um momento de lucidez, apenas ataca o que não deve ser salvo. Divisão? Quem mais a incita que o discurso beligerante do governo, que ameaça pôr o “exército” do MST nas ruas, que nos divide entre povo (isto é, quem vota no PT, claro) e “elite branca”? É verdade que Temer, enquanto parece não ver na situação esse monstro todo que essa oposição impaciente está enxergando, reconhece que o governo precisa “prestar atenção” aos sinais dados nas ruas, embora um impeachment seja, a seu ver, “impossível” e perigoso. No entanto, essas vozes só se manifestam porque, nos últimos anos, diz ele, “demos voz para 35 milhões de pessoas. Essa gente engrossou a classe média e passou a se manifestar”. É isso mesmo, Temer? As pessoas estão se manifestando contra o governo porque o governo as ajudou? Elas seriam tolas e ingratas, por acaso? Os benefícios legados pelo Plano Real e pela conjuntura internacional tiveram muito mais a ver com qualquer melhoria que experimentamos do que as medidas populistas do assistencialismo petista e seu manuseio leviano das estruturas macroeconômicas, isso já se cansou de repetir. Mais ainda, deveria ser óbvio, se deve atribuir o sucesso dos indivíduos ao esforço empreendido por eles mesmos. Temer, também ele, se vai ufanando das “políticas sociais” e da “caridade” do “Papai Estado” e se esquece convenientemente desses notórios detalhes.
Nada disso deve desanimar ou desestimular quem vai ás ruas protestar no dia 12 de abril – muito ao contrário, estejamos lá. Nossa pressão será fundamental, e não é impossível – nem, talvez, improvável – que ela provoque o PMDB contra Dilma, o que seria interessante no momento, não há negar. Ouvir Temer dizer tais asneiras só nos deve estimular ainda mais para lhe dar um recado muito claro e estridente. Não podemos, entretanto, ignorar quem são as pessoas com quem estamos lidando, e muito menos, por certo, depositar nelas alguma confiança.